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AUMENTO DE MORTALIDADE COM O USO DO FENOTEROL EM ASMA: EVIDÊNCIA HISTÓRICA SUFICIENTE PARA DISCUTIR SUAS INDICAÇÕES NO BRASIL?
(especial para SIIC © Derechos reservados)
Autor:
Andrea M Rodrigues
Columnista Experto de SIIC

Institución:
Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Artículos publicados por Andrea M Rodrigues 
Coautor Emerson r da Silva* 
Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, Brasil*


Recepción del artículo: 29 de abril, 2013
Aprobación: 25 de junio, 2013
Conclusión breve
Com as evidências vigentes, a utilização irrestrita de fenoterol em asma deveria ser discutida por especialistas, sociedades médicas e órgãos governamentais no Brasil.

Resumen

O objetivo do presente artigo é analisar e discutir as publicações referentes à associação de aumento de mortalidade com o uso de fenoterol no tratamento de asma, seus efeitos colaterais e a situação atual de sua utilização em asma no mundo e no Brasil. Como fonte de dados, foi utilizada a base de dados do PubMed, utilizando os descritores asthma AND fenoterol, e Scielo, utilizando os descritores asma e fenoterol. São apresentados os resultados de estudos relevantes realizados sobre o tema em alguns países desenvolvidos e discutimos o potencial risco aumentado de mortalidade em pacientes que utilizam fenoterol em asma. Vários estudos demonstraram também a menor seletividade deste fármaco aos receptores 2-adrenérgicos. A comercialização de fenoterol foi proibida ou restrita em inúmeros países desenvolvidos, mas é amplamente utilizada ainda no Brasil. Os autores concluem que, com as evidências vigentes, a utilização irrestrita deste fármaco em asma deveria ser discutida por especialistas, sociedades médicas e órgãos governamentais no Brasil.

Palabras clave
mortalidade, terapêutica, broncodilatador

Clasificación en siicsalud
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Especialidades
Principal: Medicina FarmacéuticaNeumonología
Relacionadas: Administración HospitalariaAtención PrimariaFarmacologíaMedicina FamiliarMedicina Interna

Enviar correspondencia a:
Paulo M Pitrez, Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil


Increased asthma mortality with the use of fenoterol: enough historical evidence to discuss its indications in Brazil?

Abstract
The aim of the present article is to analyze and discuss the papers published regarding the association between the increase in asthma mortality and the use of fenoterol, its adverse effects and the current situation of its use in asthma in developed countries and in Brazil. As source of data, PubMed and Scielo databases were used, and a search was made with asthma AND fenoterol as keywords, for the selection of relevant articles. We have presented the results from studies made in developed countries and we discuss the potential increased risk of death in patients using fenoterol in asthma. Many studies have also demonstrated that fenoterol is less selective to b2-agonist receptors. Fenoterol use has been restricted or prohibited in many developed countries, but it is still widely used in Brazil. The authors conclude that, given the current evidence, the restricted use of fenoterol in asthma should be discussed by specialists, medical societies and government agencies in Brazil.


Key words
mortality, therapeutics, bronchodilator agents


AUMENTO DE MORTALIDADE COM O USO DO FENOTEROL EM ASMA: EVIDÊNCIA HISTÓRICA SUFICIENTE PARA DISCUTIR SUAS INDICAÇÕES NO BRASIL?

(especial para SIIC © Derechos reservados)
Artículo completo
Introdução

A asma é uma doença inflamatória crônica das vias aéreas inferiores, na maioria das vezes iniciada na infância, caracterizada por sintomas respiratórios recorrentes, de característica usualmente reversível. Resultante de uma complexa interação genético-ambiental, estima-se que 300 milhões de pessoas sejam portadoras de asma no mundo, resultando em elevada morbidade e mortalidade em muitos países.1
No Brasil, a asma é uma doença prevalente e de alta morbi-mortalidade, resultando em importante comprometimento da qualidade de vida dos pacientes e familiares e elevados custos no tratamento. Resultados de estudos epidemiológicos no Brasil têm demonstrado que a prevalência de asma é elevada, encontrando-se ao redor de 10%.2,3 Os custos com asma pelo Sistema Único de Saúde (SUS) são muito elevados, com quase 200 000 hospitalizações em 2010, resultando em um custo de pelo menos 100 milhões de reais neste ano. Além disso, apesar de haver uma ideia genérica de que atualmente as pessoas não morrem mais por asma, no Brasil, a mortalidade estimada em 2000 foi de 2.29/100 000 habitantes e, segundo dados do Ministério da Saúde de novembro de 2010, ocorreram, em 2008, 2 287 óbitos por asma (nos últimos anos, aproximadamente seis óbitos/dia).4
O tratamento medicamentoso da asma baseia-se em duas linhas principais de abordagem: medicação de controle (anti-inflamatórios e broncodilatadores de longa duração) e de resgate (broncodilatadores). O medicamento de resgate mais eficaz e utilizado é o (2-agonista de curta ação, importante no controle de sintomas resultantes da broncoconstrição transitória e do alívio da obstrução brônquica em episódios de exacerbação aguda da asma, esta podendo algumas vezes resultar em quadros de asma aguda grave ou fatal.5 No entanto, evidências de efeitos deletérios do uso de simpaticomiméticos em asma aguda datam da década de 60.6

Dois medicamentos de resgate historicamente muito estudados são o salbutamol e o fenoterol. No Brasil, ambos os fármacos são muito prescritos em postos de saúde, consultórios, emergências, hospitais, sendo também amplamente utilizados pelo pacientes em seus domicílios. No entanto, há algumas décadas, vários estudos epidemiológicos e clínicos demonstraram uma associação do fenoterol com o aumento de mortalidade em asma e um efeito menos (2-seletivo.7-12 Ao contrário do Brasil, vários países desenvolvidos restringiram seu uso, retiraram-no do mercado ou não autorizaram sua comercialização em função destas evidências.13
O presente artigo tem como objetivo apresentar e discutir, de forma crítica e atualizada, artigos publicados sobre este tema e orientações de diretrizes sobre manejo de asma internacionais, demonstrando a importância da cautela em relação ao uso de fenoterol no manejo da asma, principalmente no cenário de uso domiciliar, onde suas desvantagens poderiam potencialmente apresentar maior repercussão.



Epidemias de mortalidade por asma e sua relação com uso do fenoterol

Historicamente, há mais de 60 anos, o uso de adrenalina no tratamento de asma resultou em preocupações quanto a sua efetividade e segurança (tolerância, efeito pró-inflamatório e aumento de mortalidade).14 Na década de 60, uma primeira epidemia de mortalidade de pacientes com asma foi observada, particularmente em alguns países ocidentais (Reino Unido, Nova Zelândia, Austrália e Noruega). Neste período, esse aumento de mortalidade foi relacionado ao uso de isoproterenol ((-agonista não seletivo) em uma apresentação comercial inalatória com dose elevada. Apesar de não conclusiva e questionada por alguns pesquisadores, esta hipótese foi reforçada, em parte, porque não foram encontrados dados semelhantes em países nos quais a formulação apresentava-se cinco vezes mais baixa (Alemanha e Estados Unidos) ou naqueles nos quais as vendas eram reduzidas (Bélgica e Holanda).15
Em 1982, uma comunicação breve foi publicada no British Medical Journal demonstrando um aumento da mortalidade de asma na Nova Zelândia na década de 70 (33/100 000 pessoas com idade entre 5-34 anos), permanecendo elevada quando comparada à das populações da Inglaterra, Austrália, Alemanha Ocidental, Canadá e Estados Unidos. Apesar de terem sido aventadas várias hipóteses para esse aumento, como, por exemplo, uma mudança na classificação da doença (1979-1980), nenhuma causa específica foi determinada, iniciando-se, então, estudos sobre esta questão.16
Em abril de 1976, o fenoterol foi introduzido na Nova Zelândia, mesmo ano em que teve início o aumento da mortalidade de asma. Em 1983, esta medicação representava quase 30% do total de (2-agonistas de curta duração comercializados neste país, enquanto representava apenas 5% do mercado em outros países, nem tendo sido introduzido nos Estado Unidos.13,14 Tal fato, associado juntamente à elevada dose do fenoterol na apresentação comercial (200 µg/jato) e a menor seletividade da mesma aos receptores (2 em relação a outros fármacos de sua classe, resultou em uma sequência de publicações demonstrando uma associação entre a automedicação sem supervisãomédica com fenoterol e o aumento do risco de morte por asma.

No Lancet, em 1989, um primeiro estudo de caso-controle foi publicado envolvendo 117 pacientes que morreram por asma, com idades entre 5-45 anos, no período entre agosto de 1981 e julho de 1983 na Nova Zelândia.7 Este estudo encontrou um risco relativo para o fenoterol de 1.55 (95% CI: 1.04-2.33; p = 0.03), sem que qualquer outro tratamento utilizado ou gravidade da doença (uso de três ou mais classes de fármacos, número de admissões hospitalares nos últimos 12 meses e uso de corticoide oral no momento do óbito ou admissão) tenha sido associado ao aumento do risco de mortalidade, quando ajustado estatisticamente. Os achados deste estudo foram consistentes com a hipótese de que o fenoterol inalado aumentava o risco de morte em asma grave. No entanto, alguns possíveis vieses metodológicos importantes deste estudo foram levantados e discutidos, particularmente vieses de informação (diagnóstico e prescrição da medicação) e de confusão (gravidade da doença). Os casos e controles foram selecionados de fontes diferentes, e baseados em dados retrospectivos de registros e prontuários.17
Um segundo estudo neozelandês veio reafirmar o que fora publicado anteriormente; desta vez, utilizando-se de todos os paciente que morreram por asma, com idades entre 5-45 anos, entre janeiro de 1977 e julho de 1981, que haviam procurado o hospital nos últimos 12 meses por asma aguda.8 Os controles foram pareados de forma mais adequada, com pacientes atendidos por asma no mesmo hospital no ano do óbito (4 controles para cada caso, novamente). As informações de prescrição, tanto dos casos como dos controles, basearam-se em registros de uma hospitalização prévia por asma, no período de 12 meses, antes do evento índice (hospitalização com óbito nos casos ou última hospitalização dos controles). Os achados foram, então, consistentes aos do primeiro estudo, apresentando, contudo, um maior risco naqueles pacientes com idade menor de 20 anos (OR = 4.02; 95% CI: 1.57-10.3) do que nos pacientes maiores de 20 anos (OR = 1.33; 95% CI: 0.64-2.78). Com base nessas evidências, o departamento de saúde da Nova Zelândia suspendeu a comercialização deste fármaco em 1990.18
Em resposta a críticas feitas sobre esses estudos por outros autores,17 foi publicado em 1991, pelo mesmo grupo de pesquisa da Nova Zelândia, um outro estudo com novas evidências, utilizando alguns refinamentos do ponto de vista metodológico.9 Foram estudados 112 casos de óbito por asma, em pacientes entre 5-45 anos, entre agosto de 1982 e dezembro de 1987, desta vez utilizando-se dois grupos controles: Grupo A (427 pacientes admitidos por asma no mesmo ano em que ocorreu o óbito por asma, além de também terem sido admitidos pela mesma doença nos últimos 12 meses), e Grupo B (448 pacientes admitidos no hospital no mesmo ano em que a admissão do caso ocorreu). A razão de chances de óbito para uso de fenoterol inalado no grupo A foi de 2.11 (95% CI: 1.37-3.23; p < 0.01) e, no grupo B, de 2.66 (95% CI: 1.74-4.06; p < 0.01). Esses resultados corroboraram a hipótese já apresentada nos dois estudos anteriores, em que o fenoterol inalado aumentava o risco de mortalidade em pacientes com asma grave.

Em 1992, um dos maiores críticos dos estudos de associação de mortalidade por asma e uso de fenoterol, Walter O. Spitzer, publicou com colaboradores um estudo em uma população canadense,19 apresentando resultados com conclusões opostas aos dos estudos da Nova Zelândia. Interessante identificar que, mesmo após críticas de Walter Spitzer em cartas ao editor em anos anteriores,17 a seleção dos controles não foi melhor realizada, incluindo ajuste inadequado também para gravidade da asma. Este estudo canadense foi aninhado a uma coorte retrospectiva de uma base de dados de 12 301 pacientes da província de Saskatchewan. As medicações para asma haviam sido prescritas entre 1978 e 1987, com 129 pacientes com asma fatal ou quase fatal. O uso de (2-agonistas de curta ação foi associado a óbito por asma
(OR = 2.6; 95% CI: 1.7-3.9), ou óbito e asma quase-fatal juntos (OR = 1.9; 95% CI: 1.6-2.4). Quando fenoterol e salbutamol foram comparados em relação a microgramas equivalentes, não foi encontrada nenhuma diferença entre fenoterol e salbutamol em relação a óbito por asma. Assim, este estudo concluiu que apesar do uso de (2-agonista de curta ação ter sido associado a asma fatal ou quase fatal, não foi encontrada nenhuma associação com fenoterol ou outra medicação específica. Na sequência, o mesmo grupo publicou resultados de dados completos da coorte de Saskatchewan com resultados semelhantes.20 Além disto, Garret et al. demonstraram, em uma outra coorte retrospectiva na Nova Zelândia, que os pacientes com asma mais grave utilizaram mais fenoterol, e que a associação significativa do uso do fenoterol e episódios de asma com risco de vida/óbito só desaparece quando quatro critérios de gravidade prévios são adicionados e incluídos na análise estatística.21
Quando consideramos outros países, em 1980, a mortalidade por asma dobrou no Japão, corroborando os fatos ocorridos na Nova Zelândia, resultando na criação do Comitê de Mortalidade de Asma da Sociedade Japonesa de Alergia Pediátrica e Imunologia Clínica, que reportou a relação entre a dependência do uso de (2-agonistas de curta ação e o aumento da taxa de mortalidade em asmáticos, principalmente entre os meninos maiores de 13 anos. Entre as mortes, o fenoterol foi utilizado em mais da metade dos casos, ao mesmo tempo que sua venda representava apenas 18.3% do mercado. Importante lembrar que neste estudo não houve um grupo controle ou dados sobre o uso do fenoterol em diferentes faixas etárias ou graus de severidade da asma. Porém, considerando análises realizadas e tendo em vista os outros estudos epidemiológicos já realizados, as evidências resultaram em suspeita suficiente do risco do fenoterol em asma, fazendo com que o Ministério Japonês da Saúde e Previdência Social alertasse que o uso desta medicação por via inalatória devesse ser evitado em crianças. Assim, neste período, o Japão foi o quarto país a adotar restrições ou recomendações ao uso de fenoterol, seguindo os Estados Unidos (onde a medicação nem foi licenciada), Nova Zelândia (onde foram retirados os subsídios do governo) e Austrália (recomendação de que o fármaco não deve ser utilizado em asmáticos graves). Outros países não tomaram a mesma decisão, talvez pelo fato de a empresa fabricante ter reduzido a dose de fenoterol para 100 µg/jato, na maioria dos locais onde é comercializado.22 Além disso, em 1998, houve um aumento da mortalidade entre os japoneses entre 10-14 anos, concomitante com o aumento das vendas de isoprenalina, que é um simpaticomimético não (2-seletivo. Após a queda de vendas deste fármaco, houve redução da mortalidade no Japão, de acordo com o Ministério Japonês de Previdência Social.

Com todas estas evidências, a partir da metade da década de 90, alguns artigos de revisão sobre o tema começaram a ser publicados e o assunto, mais profundamente refletido e discutido. Pearce et al.18 atribuíram o aumento da mortalidade por asma na Nova Zelândia ao uso do fenoterol, baseando-se no fato de que as mortes iniciaram com a introdução do fármaco no mercado. Além disso, aquele país apresentava a maior venda de fenoterol por habitantes no mundo, e continha alta dosagem na formulação (200 µg/dose).
No final da década de 90, um artigo de revisão de Beasley et al.,14 apresentou uma revisão sobre o ocorrido desde a primeira onda de mortalidade em asma, afirmando que o uso de fenoterol não teria aumentado caso não houvesse resposta com a dose usual. Até a segunda onda de mortalidade, com o início das publicações do grupo da Nova Zelândia e da indústria fabricante do fenoterol, uma extensa discussão com várias controvérsias foi iniciada, até que, naquele país, em 1989, a Ministra da Saúde, Helen Clark, anunciou o fim do subsídio para o fenoterol, seguido por práticas semelhantes na Austrália, ocasião em que houve redução da dose da apresentação comercial pela Boehringer Ingelheim.

Mais recentemente, em 2009, para tentar sanar melhor as dúvida vigentes sobre esta questão, Pearce13 publicou um dos últimos artigos de revisão abordando este tema, apresentando um novo olhar sobre a análise da metodologia e resultados do estudo de Saskatchewan,19 no Canadá, utilizando-se da metodologia dos estudos neo-zelandeses, onde encontrou um risco relativo de 8.1 no grupo que utilizava somente o fenoterol, em relação a um risco relativo de 3.7 encontrado na análise original do estudo. Outro problema importante deste estudo, levantado por Pearce, foi que o diagnóstico de asma não foi confirmado no grupo controle, que poderia explicar porque estes utilizavam menos (2-agonistas de curta ação que os casos estudados. Este achado foi importante para a análise, visto que, ao comparar o grupo que utilizava somente fenoterol com o grupo que utilizava somente salbutamol, a taxa de mortalidade era 3.7 vezes maior. Refazendo a regressão logística, o risco relativo de fenoterol aumenta de 5.3 para 9.1 e o do salbutamol, de 0.9 para 2.8, quando ambas as variáveis eram colocadas no modelo estatístico simultaneamente. Pearce concluiu então que o estudo de Saskatchewan: 1) demonstra que o fenoterol, comparado a outros fármacos, apresenta um risco mais alto de mortalidade por asma; 2) mostra que os resultados apresentados no artigo são falhos porque a seleção dos controles inclui pacientes não asmáticos e a análise da quantidade de (2-agonistas utilizada é confundida pela gravidade da doença; e por fim, 3) apresenta um importante conflito de interesse, quando Walter O. Spitzer, autor e mentor do estudo, é consultor da empresa que comercializa o fenoterol (Boehringer Ingelheim), tendo defendido a controvérsia desta causa ao longo dos anos. A tabela 1 resume os resultados dos principais estudos de associação de uso de fenoterol e aumento de mortalidade em asma.

Em relação ao Brasil, o sistema de organização de estatísticas em saúde evoluiu de certa forma nas últimas décadas, mas infelizmente, está distante de oferecer dados fiéis e detalhados de mortalidade da doença na linha do tempo, particularmente na qualidade de registro médico da causa de óbito em todo o território nacional. Este fato dificulta muito a análise de mortalidade de asma, em um nível sensível para acompanhar o perfil de comportamento de uma doença. Desta forma, a realização de estudos detalhados da relação do fenoterol com mortalidade de asma no Brasil encontra um cenário não muito favorável, como aconteceu anteriormente em outros países, tanto pela falta de registros fidedignos de mortalidade de asma e prescrição de medicamentos quanto pelo número de evidências prévias de seu risco e restrição ou proibição de uso em outros países.

Efeitos colaterais do fenoterol

Em paralelo aos dados de associação de mortalidade de asma com o uso do fenoterol, começou a ser discutida também a potencial maior toxicidade e menor segurança do fenoterol em relação a outros (2-agonistas de curta ação.14

Tandon,10 no início da década de 80, primeiramente demonstrou que pacientes adultos com asma estável, usando doses repetidas de fenoterol, apresentavam maior variação no aumento da frequência cardíaca, quando comparado ao salbutamol (p < 0.01), e arritmia ventricular foi evidenciada em três pacientes que utilizaram somente fenoterol. Outro estudo demonstrou que não houve diferença no efeito broncodilatador entre fenoterol, isoproterenol ou albuterol, mas o fenoterol e o isoproterenol apresentaram maior efeito inotrópico positivo e o fenoterol apresentou maior queda nos níveis de potássio sérico.23 Em outro estudo transversal, duplo-cego, controlado por placebo, comparando a resposta de adultos com histórico de asma a fenoterol, salbutamol e terbutalina, com diferentes doses das respectivas medicações (2, 6 e 18 jatos), em um intervalo de 90 minutos, demonstrou efeito broncodilatador semelhante das medicações, mas também o fenoterol apresentou um maior aumento da frequência cardíaca (p < 0.01), do intervalo QT no eletrocardiograma (p < 0.01) e de tremores (p < 0.01), além de redução dos níveis de potássio sérico (p < 0.01), em relação aos outros fármacos.11
Lipworth et al.24 compararam as potências de salbutamol e fenoterol nas vias aéreas, bem como seus efeitos sistêmicos, em pacientes de 40 anos com doses equivalentes. Não houve diferença também entre o efeito broncodilatador dos dois fármacos, mas o fenoterol mostrou-se menos seletivo que o salbutamol, particularmente em relação aos níveis de potássio, tremores e frequência cardíaca, à exceção da dose convencional de 200 µg, cuja única diferença apresentada foi em relação a tremores. Por fim, Newhouse et al.25 publicaram um estudo multicêntrico, randomizado, duplo-cego, envolvendo 128 pacientes utilizando fenoterol e 129 utilizando salbutamol, todos com asma aguda grave. O fenoterol obteve uma maior queda nos níveis séricos de potássio, além de aumento no intervalo QT (p < 0.05), particularmente em pacientes que não receberam oxigênio suplementar. Não houve, no entanto, diferenças de eventos sérios de arritmia ou óbitos, devendo ser considerada que a amostra do estudo não é muito robusta. Bremner et al.26 compararam os máximos efeitos extrapulmonares entre salbutamol e fenoterol, em oito voluntários saudáveis, de 22 a 45 anos, onde 400 µg de cada fármaco eram administrados a cada dez minutos, até que houvesse um platô pré-estabelecido nos níveis de potássio e QS2I (uma medida de inotropismo cardíaco). Foi encontrada uma maior resposta máxima (Emáx) do fenoterol em relação ao salbutamol na redução do potássio sérico e cAMP (marcador de ativação de receptor (). Estes níveis foram alcançados utilizando-se uma média de seis jatos de fenoterol e 11 de salbutamol, sugerindo que a utilização de jatos equivalentes, independentemente da dosagem em microgramas, de ambos os fármacos, no manejo da asma aguda grave, poderia contribuir para o aumento da mortalidade. Este mesmo grupo de pesquisa demonstrou que os efeitos cronotrópico e eletrofisiológico do fenoterol são significativamente aumentados em presença de hipoxemia.12
Por fim, o uso regular de (2-agonistas tem sido relacionado também à piora do controle da asma, provavelmente por meio de efeitos sobre hiperresponsividade brônquica, desenvolvimento de tolerância ao fármaco, redução da proteção do estímulo provocador da exacerbação ou ainda mascarando os sintomas de piora do quadro de asma aguda.14 No entanto, os estudos epidemiológicos que mostram a relação entre mortalidade por asma e uso do fenoterol não foram delineados para estudar mecanismos causais. São relevantes as evidências de uma associação entre o uso do fenoterol com o aumento no número de mortes em asma, mas os mecanismos responsáveis por esta relação não são claros. O conjunto de evidências consistentes que demonstram uma menor especificidade do fenoterol aos receptores (-adrenérgicos sugere que este pode ser um dos fatores relevantes responsáveis pelas epidemias de mortalidade na asma, associados particularmente à auto-medicação de pacientes com esta doença. Por outro lado, a hipótese de mascaramento de um quadro de asma grave com o uso de fenoterol, com seu potente efeito (2-agonista não pode ser descartado. Ainda assim, ambos os fatores (toxicidade e atraso no diagnóstico) podem estar conjuntamente envolvidos nas epidemias de mortalidade relatadas na literatura.

Situação do fenoterol em alguns países e no Brasil

Com todas essas evidências publicadas na literatura, o fenoterol teve seu subsídio retirado para comercialização na Austrália e Nova Zelândia, sofreu restrições e recomendações ao seu uso no Japão e nunca foi licenciado para uso nos Estados Unidos. No Reino Unido, a empresa responsável por sua comercialização não apresenta o fenoterol como alternativa de venda no seu portfólio.

No Brasil, o fenoterol é comercializado desde 1977,27 e nunca teve seu uso restrito ou reorientado em normas ou diretrizes nacionais, mesmo após a ampla discussão mundial. No Brasil, dados sobre a comercialização de fármacos, infelizmente, não são de domínio público. No entanto, na experiência pessoal dos autores, obviamente sujeita a direitos de resposta, a prescrição de fenoterol em asma, pelo menos na faixa etária pediátrica (área de atuação dos autores), é bastante alta. Esta observação prática, se correta, demonstra que, mesmo com todas as advertências encontradas nos trabalhos científicos publicados até o presente e restrições ou proibição de uso em muitos países desenvolvidos, o fenoterol continua sendo muito popular e utilizado no Brasil.

Uma análise das diretrizes de manejo de asma internacionais e brasileiras reforçam esta preocupação dos autores em relação ao uso indiscriminado do fenoterol no Brasil. As diretrizes do Global Initiative for Asthma (GINA)5 de 2009 e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia28 de 2006 não mencionam, em nenhum momento, as evidências de associação do fenoterol com risco de asma fatal e nenhuma orientação de restrição ao uso do fenoterol. No caminho contrário, o British Guideline on the Management of Asthma29 apresenta o salbutamol e a terbutalina como únicas alternativas de uso de (2-agonistas de curta duração em asma. Além disso, e de forma explícita e determinada, as diretrizes americanas do National Asthma Education and Prevention Program, do National Heart, Blood and Lung Institute (NAEPP)30 comentam que “...no passado, dois (2-agonistas de curta duração (isoprenalina e fenoterol), que eram menos seletivos ou eram usados em doses mais altas, foram associados à asma grave e fatal...”. A diretriz americana (NAEPP) se posiciona então mencionando como alternativas de (2-agonistas de curta ação o salbutamol, levosalbutamol e pirbuterol.


Considerações finais

Concluindo, as evidências apresentadas e discutidas neste artigo convidam especialistas e representantes de sociedades médicas no Brasil a discutir esta questão de forma detalhada e isenta. A utilização ampla e irrestrita deste fármaco deve ser revisada e discutida no país. Sociedades médicas, órgão governamentais, especialistas, pesquisadores e autoridades no assunto devem se reunir para esclarecer a importância desta questão em caráter nacional.

Na opinião dos autores, existem evidências suficientes para utilizar com parcimônia ou restringir de forma significativa a prescrição de fenoterol em asma aguda no Brasil, tanto em adultos quanto em crianças. Se não houvesse nenhuma outra alternativa farmacológica broncodilatadora no manejo da asma, obviamente o fenoterol seria utilizado sem maiores restrições, uma vez que medicações de resgate são essenciais no tratamento da asma. No entanto, felizmente, este não é o caso. Existem alternativas mais seguras e com menos efeitos adversos. Muitos países desenvolvidos decidiram por seguir esse caminho. Agir de forma contrária fere o bom senso clínico e científico, que deveria nortear condutas médicas e diretrizes no país.

Os autores esperam que este artigo de revisão resulte em uma discussão nacional envolvendo a comunidade científica sobre este tema, com o objetivo de beneficiar muitos dos pacientes com asma que tratamos rotineiramente, particularmente aqueles que muitas vezes fazem uso de broncodilatadores de forma autônoma e domiciliar, sem supervisão direta de profissionais da área da saúde, distribuídos no imenso território brasileiro.
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