Artículo completo
Amplamente reconhecido, porém insuficientemente dimensionado em suas múltiplas consequências, o fenômeno do envelhecimento populacional conduz à necessidade de estudos que avaliem as doenças mais prevalentes entre os idosos e também as peculiaridades relativas a essa população. Os parâmetros utilizados para avaliação de qualidade de vida de adultos jovens não são plenamente válidos para indivíduos idosos e, similarmente, muitas das doenças que acometem pacientes jovens, quando ocorrem em idosos, causam diferentes impactos em sua qualidade de vida, resultando na necessidade de formas distintas de abordagem e tratamento. Os sintomas do trato urinário inferior (STUI), que podem originar-se de distúrbios na bexiga, próstata e uretra, têm como causa predominante, em idosos, a hiperplasia benigna da próstata. Embora os STUI sejam amplamente reconhecidos e documentados como causadores de impacto negativo na qualidade de vida de seus portadores, ainda são escassos os estudos que avaliam esse tema de modo focado na população geriátrica masculina, com a utilização de instrumentos de avaliação de qualidade de vida específicos para idosos.
O objetivo deste artigo é avaliar mudanças na qualidade de vida devidas a sintomas do trato urinário inferior em um grupo de homens idosos.
Por meio de um estudo clínico observacional, foi selecionada uma amostra de 200 idosos do sexo masculino (qualquer raça, escolaridade e nível social), entre março-setembro de 2008 nos ambulatórios de geriatria e urologia da Universidade Federal de São Paulo, e também entre acompanhantes dos pacientes e participantes de programas de atividade física em centros comunitários para idosos. Os critérios de inclusão foram: sexo masculino, idade igual ou superior a 65 anos; interesse voluntário em participar; compreensão e assinatura do termo de consentimento. Os critérios de exclusão foram: prostatectomia radical; uso atual de cateter vesical; doenças agudas (infecciosas, inflamatórias ou alérgicas; traumatismos, cirurgias ou internações hospitalares no último mês); doenças crônicas descompensadas (hipertensão, insuficiência cardíaca, diabetes, insuficiência renal dialítica, etc.); neoplasia maligna; alcoolismo ou drogadição, doenças neurológicas e psiquiátricas (demência, parkinsonismo, epilepsia, depressão, psicose, etc.); uso de drogas ativas primariamente no sistema nervoso central. O protocolo de avaliação incluiu: um questionário sócio-demográfico e sobre condições de saúde; o Escore Internacional de Sintomas Prostáticos; um inventário de ansiedade e depressão; os questionários World Health Organization Quality of Life -Bref e -Old (WHOQOL). De acordo com a pontuação de sintomas urinários, os participantes foram classificados em dois grupos: Grupo I (8-35 pontos) e Grupo II (0-7 pontos). Os dados coletados foram analisados estatisticamente pelos testes qui-quadrado, t de Student, Brown-Mood e exato de Fisher, com nível de confiança de 95%.
Foram incluídos 100 homens em cada grupo. A média de idade foi de 72,89 (± 5,96) anos no grupo I e 73,41 (± 5,95) no grupo II. Os dois grupos foram estatisticamente semelhantes em todos os parâmetros sócio-demográficos (idade, raça, estado civil, escolaridade, religião, nível de renda e ocupação), de morbidade (doenças cardíacas, hipertensão, diabetes e uso de medicamentos) e pontuações de ansiedade e depressão. Ambos os questionários de qualidade de vida mostraram medianas de pontuação significativamente piores no grupo I, em todos os domínios e facetas, incluindo função sensorial, autonomia, percepção da morte, saúde física e psicológica. No questionário WHOQOL-BREF, os domínios relações sociais e ambientais apresentaram as diferenças mais significativas (p<0,0005). No questionário WHOQOL-OLD, a faceta participação social apresentou o resultado estatístico mais expressivo (p<0,0005). A média do escore final do questionário WHOQOL-OLD foi de 86,3 (± 12,5) para o grupo I e 93,8 (± 11,5) para o grupo II (p<0,0005). Desse modo, foi constatado que, para homens idosos, sintomas do trato urinário inferior de intensidade moderada a grave interferem significativamente em todos os parâmetros de avaliação de qualidade de vida propostos pela Organização Mundial da Saúde, de modo negativo. Os domínios e facetas mais afetados são as relações sociais e ambientais. Tais achados suscitam reflexões sobre a necessidade de mudanças na abordagem terapêutica, como a possibilidade de indicação de métodos mais agressivos precocemente, para evitar a deterioração global da qualidade de vida associada à piora dos sintomas do trato urinário inferior.