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O novo Código Civil (CC) brasileiro entrou em vigor em janeiro deste ano; trouxe ele modificações importantes sobre a responsabilidade civil e introduziu outras figuras de interesse dos médicos inexistentes no código anterior.A noção de responsabilidade civil, ou seja, a da necessidade de se compensar um eventual erro profissional cometido, é uma exigência da sociedade moderna, porém, tal não deveria permitir exageros como a malfadada "indústria da indenização" que hoje assistimos.. O paciente é, indiscutivelmente, o último juiz da sua própria saúde, só ele, excetuando-se nas emergências, tem a última palavra sobre o interesse ou não de empreender determinado tratamento conforme o art. 147 do CC que diz haver dolo por parte do médico na omissão de informações sobre riscos de um tratamento ou exame. O consentimento informado é hoje então quase que uma obrigação legal!A responsabilidade civil do profissional da Medicina deriva da culpa no sentido amplo, esta engloba o dolo, ou seja, a vontade premeditada de causar dano, e a culpa em sentido estrito, ambos também previstos no Direito Penal. A culpa em sentido estrito tem três vertentes: a imprudência, a negligência e a imperícia. A imprudência se caracteriza pela prática de atos de risco sem não justificados, afoitos, sem a cautela necessária. A negligência é um ato omissivo, quando o médico deixa de observar regra profissional já bem estabelecida e reconhecida pelos colegas da especialidade. E a imperícia é o despreparo, a prática de determinados atos sem os conhecimentos técnico-científicos necessários para realizá-los.1 Conforme os ditames do art. 951 do CC e do art. 14, § 4° do Código de Defesa do Consumidor (CDC), trata-se de modalidade de responsabilidade conhecida como subjetiva aplicável na grande maioria dos processos envolvendo médicos.A essência da culpa está na previsibilidade: se o resultado desfavorável era previsível e não foi evitado, há culpa. Porém, se o resultado desfavorável, nas circunstâncias do caso, não era possível de ser previsto estamos em face das excludentes de culpabilidade e são elas o caso fortuito e o de força maior, previstos no art. 393 do CC, quando então o médico não poderá ser responsabilizado.2 Simplificando, denomina-se caso fortuito aquele estranho à vontade do profissional, imprevisível, inevitável3 (choque anafilático em indivíduo sem antecedentes). E o de força maior aquele absolutamente necessário e que, embora cause algum dano, se não tivesse sido praticado, daria lugar a dano maior ainda (histerectomia de urgência em hemorragia pós-parto causando esterilidade). Havendo dano, sem as excludentes de culpabilidade, o direito a indenização é certo.A transgressão das regras de convivência social ocasionando dano caracteriza, segundo os arts. 186 e 187 do CC, um ato ilícito e este dá ao prejudicado o direito de exigir uma reparação segundo o caput do art. 927 que diz: "Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, é obrigado a repará-lo". Porém, o parágrafo único desse artigo abre um precedente à responsabilidade subjetiva do médico criando a indenização independente de culpa: "haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente exercida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem"! Estaríamos em face de outra modalidade de culpa, conhecida como objetiva, onde não há necessidade da demonstração de imprudência, negligência ou imperíciaMas além da culpa é necessário averiguar a real ocorrência de algum dano ao paciente. Entende-se por dano a ofensa a bens ou interesses alheios protegidos juridicamente; resumidamente há uma afronta à norma jurídica, o caráter de antijuridicidade e um prejuízo. O dano poder ser material, de ordem financeira, ou extra-patrimonial (dano moral por exemplo) e os dois são cumuláveis.4 Havendo dano há que auferir também a noção do nexo de causalidade, ou seja, é imperativo que se estabeleça que a lesão foi realmente causada por ação ou omissão do médico e sua culpa. Se um paciente sofre anóxia durante uma anestesia com lesão cerebral e comprova-se que houve descuido do anestesista, configura-se o dano, o nexo de causalidade e a culpa, a indenização será então devida. A aferição da culpa do médico obedece então a uma equação com 3 incógnitas: ação ou omissão culposa + relação de causalidade + dano = responsabilidade civil indenizatória.5O Direito brasileiro entende que, na relação entre o médico e o paciente, há o estabelecimento de um contrato quando do acordo para prestação de serviços, mesmo que este não tenha sido firmado em documento; neste último caso o contrato e denominado tácito. Mas essa relação poderá também ser extra-contratual quando não houver acordo anterior, como, por exemplo, quando o paciente procura um hospital ou pronto-socorro e é atendido pelo médico de plantão. Em razão dessa relação contratual ou extra-contratual criam-se obrigações; as obrigações do médico são de informação, cuidados terapêuticos e de abstenção de abuso ou desvio de poder.6 Juridicamente as obrigações dos médicos são de dois tipos: obrigações de meios e obrigações de resultados. Nas obrigações de meios o profissional deverá colocar à disposição do paciente todos os recursos, além de conhecimentos atualizados, visando o melhor resultado possível; a cura ad integrum, no entanto, não pode ser prometida, pois seres biológicos não respondem matematicamente ao tratamento e resultados adversos são assim possíveis, apesar do melhor empenho da equipe médica.Se o resultado esperado não for alcançado, inexistindo negligência, imprudência ou imperícia, não se poderá dizer que houve descumprimento do contrato e não haverá culpa. A jurisprudência brasileira entende atualmente que a grande maioria das especialidade médicas configura obrigação de meios. Já na obrigação de resultados, entende-se contratada a obtenção de um resultado específico, e se este não é obtido, independente de culpa ou não, haverá ruptura do contrato. No Brasil, praticamente todos os tribunais ainda entendem que a Cirurgia Estética configura uma obrigação de resultados7 e alguns têm também assim considerado a Anestesiologia6,8 embora, felizmente, isso venha mudando recentemente.9,10 Para os que entendem a Anestesiologia como uma obrigação de resultados, o profissional se comprometeria a anestesiar e recuperar integralmente um paciente, sem dano, desde que tenha tido a oportunidade de avaliar o doente antes da cirurgia e concluído pela existência de condições para a prática da anestesia!11 Tratando-se de uma obrigação de meios, o eventual descumprimento de um dever contratual deve ser provado pelo paciente, autor da demanda, mediante a demonstração da culap do médico conforme prevê o art. 333 do Código de Processo Civil (CPC): "O ônus da prova incumbe: I- ao autor, quanto a fato constitutivo do seu direito". Já na obrigação de resultados, basta o interessado demonstrar que o resultado pactuado não foi obtido, o que é suficiente para configurar a ruptura do contrato e pleitear a indenização. Nesse caso, caberá ao médico provar que não agiu com culpa. É o que se convencionou chamar de inversão do ônus da prova. Nesse sentido diz o art. 389 do CC: "Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado". Mas na obrigação de meios, a critério do juiz, o art. 6° do Código de defesa do Consumidor abre um precedente e faculta também nesse caso a inversão do ônus da prova quando o magistrado julgar o autor da queixa hipossuficiente para arcar com as proas contra o médico.Havendo portanto culpa, em qualquer das suas modalidades, configura-se o chamado erro médico, melhor denominado erro de ofício ,12 e caberá a indenização. O erro médico distingue-se do erro de ofício pois este é imputável, não à falha do profissional, mas às limitações da Medicina que nem sempre possibilitam um diagnóstico de certeza; conhecido também como erro de diagnóstico no seu caso é descabida a indenização.O hospital, como pessoa jurídica, não realiza atos médicos, assim não comete os atos ilícitos dos arts. 186 e 187 do CC anteriormente citados; porém, conforme o art. 932 inciso III do CC: "São também responsáveis pela reparação civil: o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele". Assim o hospital responde solidariamente com o médico-empregado pelos erros de ofício deste durante o seu trabalho na instituição. E os médicos chefes de equipes, pela mesma razão, respondem também pelos erros de seus assistentes e auxiliares; médico-chefe e hospital respondem ou por ter mal escolhido (culpa in eligendo) ou por não ter supervisionado corretamente (culpa in vigilando).13 Em relação aos médicos que integram o corpo clínico de um hospital sem serem seus empregados, há que se distinguir duas situações: se o paciente procurou o nosocômio, tendo nele sido atendido por um integrante do corpo clínico, ainda que não empregado, respondem solidariamente médico e hospital.11 Já se o doente procura um médico e este o encaminha para o hospital para tratamento, o contrato é só com o facultativo e o hospital não responde pela culpa dos atos deste.Se numa ação de indenização contra um médico-empregado, este é o único réu, cabe a ele realizar o chamamento ao processo 14 do hospital como maneira de dividir as responsabilidades; tal se encontra no art. 77 inciso II do CPC: "É admissível o chamamento ao processo: e todos os devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns deles, parcial ou totalmente, a dívida comum".As entidades privadas de assistência à saúde respondem solidariamente pelos erros causados por seus médicos credenciados, conforme decisão recente do Superior Tribunal e Justiça; entendeu este tribunal haver vínculo de responsabilidade entre a companhia e o médico por ela credenciado.15 Diferentemente acontece com os seguros-saúde que dão liberdade de escolha de médicos e hospitais, só reembolsando as despesas; nesses casos a empresa não pode ser responsabilizada pelos atos do médico escolhido pelo próprio segurado, caberá somente ao médico uma eentual indenização devida.Até o presente discutimos situações que interessam à Medicina privada liberal, abrangida pelas regras do Direito privado. Diferentemente acontece nos hospitais públicos, sua fundações ou autarquias, que são abrangidas pelo Direito público, particularmente pelo Direito administrativo. Dispõe o art. 37 § 6° da Constituição Federal (CF) sobre a responsabilidade dos hospitais públicos quanto aos atos de seus empregados: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa". Surgem aí duas novas noções jurídicas importantíssimas: a da responsabilidade objetiva, citada anteriormente, e a de direito de regresso. A CF faz menção ao princípio da responsabilidade objetiva pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, o que significa que, demonstrado este dano, independentemente de culpa ou não, caberia a indenização pelo ente público! É a teoria do risco inerente à atividade, aliás bastante freqüente no Direito do Trabalho. Mas a doutrina hoje me dia está entendendo a possibilidade de exclusão ou atenuação da responsabilidade do Estado nos casos fortuitos ou de força maior ou ainda naqueles por culpa exclusiva do próprio paciente.11 Mas tendo havido dolo ou culpa por parte do médico, poderá o ente público demandar posteriormente, ressarcimento ao seu empregado: é o que se chama de direito de regresso. O direito de regresso, juridicamente, se exerce através da denunciação da lide conforme os ditames do art. 70 inciso III do CPC: "A denunciação da lide é obrigatória: àquele que estiver obrigado pela lei, ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda". O ente público, nesse caso, requer do médico reembolso da indenização que foi obrigado a pagar por culpa dele.E mais, nosso legislador, já na antiga Lei de Introdução ao Código Civil, em seu art. 3°, precaveu-se contra defesas sob alegações de desconhecimento da lei, impedindo-as: "Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece".Em suma, é indenizável aquilo que o paciente inesperadamente despendeu, em razão do ato médico, para seu tratamento e recuperação (dano emergente), o quanto deixou de lucrar no seu trabalho durante a convalescença (lucro cessante) e o dano moral.. Dispões o art. 949 do CC: "No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido". E mais, se o indivíduo tornar-se inabilitado para o trabalho, mesmo parcialmente, aplica-se ainda o art. 950 do CC: "Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização,, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da convalescença, incluirá uma pensão correspondente à importância do trabalho para o que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu". E em caso de morte do paciente poderá ainda o médico responder pelo art. 948 do CC: "No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I- no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e luto da família; II- na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima".A indenização do dano moral, da dor pelo sofrimento imprevisto por eventual culpa do médico, leva em conta a natureza do dano, a situação econômica dos interessados, o impacto negativo na vida do paciente16 e é a que se presta às maiores celeumas. Está prevista no art. 5° incisos V e X da CF, mas seu montante não está legalmente previsto conforme o art. 946 do CC: " Se a obrigação for indeterminada, e não houver na lei ou no contrato disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar"; tal remete ao art. 627 §§ 1° e 2° do CPC e ficará ao arbítrio do juiz.17Ainda é bom lembrar o princípio da prescrição que é a perda da pretensão punitiva pelo decurso de tempo sem seu exercício pelo interessado; decorrido um tempo determinado o acusado não mais poderá ser punido. Segundo o art. 206 § 3° inciso V do CC "prescreve em três anos a pretensão à reparação civil". Porém, nas disposições transitórias do atual código, num de seus últimos artigo (art. 2028) diz a lei: "Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada". Ora, a lei revogada previa um prazo prescricional de 20 anos, ou seja, o atual código entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003, e segundo esse artigo todos os atos acontecidos há dez anos menos um dia dessa data ainda são passíveis de uma indenização civil!E por último, o novo Código Civil traz duas novas figuras preocupantes para os médicos liberais, a do estado de perigo e a da lesão. Diz o art. 156 do CC: "Configura-se estado de perigo quando alguém, premido pela necessidade de salvar-se, ou a pessoa e sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa". E o art. 157 do CC: "Ocorre lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta". A preocupação se justifica ao verificarmos o no Código Civil o capítulo intitulado Da Invalidade do Negócio Jurídico cujo art. 171 diz: "Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: II- por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores"! Ou seja, em determinadas circunstâncias, principalmente nos casos de urgência, pacientes concordarão com os honorários médicos que posteriormente não serão honrados sob a alegação de estado de perigo ou lesãoO novo Código Civil brasileiro trouxe grandes avanços para a sociedade, a jurisprudência deverá dirimir oportunamente eventuais dúvidas existentes. Médicos devem ser previdentes pois uma vez desencadeado o processo o desgaste é muito grande. A melhor "vacina" ainda é o exercício de uma Medicina de qualidade e o aprimoramento da relação médico-paciente.