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A leucemia mielóide crônica (LMC) é doença mieloproliferativa caracterizada por leucocitose intensa e a presença do cromossomo Philadelphia (Ph).O cromossomo Philadelphia é detectado pelo cariótipo convencional por banda G ou, o seu equivalente molecular, o rearranjo dos genes BCR/ABL, é identificado por métodos moleculares como a hibridação in situ por fluorescência (FISH) ou a reação em cadeia da polimerase por transcriptase reversa (RT-PCR).O Ph clássico, a translocação entre os cromossomos 9 e 22, é detectado em 90 a 95% dos casos de LMC típica. Nos demais, o cariótipo pode ser normal e mesmo assim haver o rearranjo em nível molecular, ou estarem presentes outras anormalidades cromossômicas e mascararem o Philadelphia clássico. Além disso, outras translocações que resultam no Philadelphia variante1-3 também podem ser detectadas pela análise de cariótipo. Assim, o cariótipo é de fundamental importância ao diagnóstico porque além de demonstrar a presença ou ausência do Ph pode identificar alterações adicionais que podem fazer parte do clone inicial ou indicarem evolução clonal.Graças às diferentes opções de tratamento hoje disponíveis, seja o transplante de medula óssea, alfa-interferon ou mesilato de imatinibe, há a necessidade de se avaliar a resposta terapêutica e a doença residual de forma eficiente.O cariótipo é uma alternativa para tal avaliação, porém deixa a desejar na medida em que a mielossupressão induzida pela terapia pode inibir a proliferação celular e não permitir a obtenção de metáfases suficientes para conclusão da análise além de seu nível de sensibilidade ser inferior ao dos métodos moleculares.A técnica FISH torna-se então de grande valia nessas situações, pois se utiliza de interfases. Esta técnica baseia-se no uso de sondas constituídas por fita de DNA (única ou dupla) marcadas com fluorocromo para produzir fluorescência. Estas fitas ligam-se ao DNA cromossômico no núcleo da célula. O material é depois analisado em microscópio de epifluorescência com uso de filtros específicos.O FISH tem mostrado vantagens em relação à citogenética clássica em determinadas situações pela maior sensibilidade, especificidade e rapidez no diagnóstico. Sensibilidade, porque não se está observando apenas metáfases, mas centenas de células em interfase. Especificidade, porque está sendo pesquisado um determinado rearranjo e, portanto, só ele será identificado, passando despercebidas outras eventuais alterações concomitantes e, finalmente, rapidez pelo fato de, em poucas horas, ter-se um resultado. Já, na citogenética clássica, após a cultura, levam-se alguns dias para proceder à análise de 20 metáfases. As desvantagens resumem-se ao fato de não ser possível a identificação de outras alterações eventualmente presentes no cariótipo e à limitação das sondas.4Diversos estudos vêm sendo feitos demonstrando a possibilidade de detecção através do FISH de populações menores de células clonais, nem sempre perceptível pelo cariótipo clássico.4-6 Indubitavelmente, torna-se uma ferramenta a mais no diagnóstico e na detecção de clones residuais pós-terapia [5].A primeira geração de sonda comercial disponível para FISH foi montada de modo a se obter um sinal, por exemplo, vermelho (pode ser vermelho ou verde conforme o fornecedor), para o gene ABL e um sinal verde (ou vermelho, se o outro foi verde ) para o gene BCR. Assim, em uma célula normal seriam visualizados quatro sinais separados, dois verdes e dois vermelhos. E, em uma célula com Ph seriam observados um sinal verde e um vermelho separados além de um sinal amarelo (ou verde e vermelhos juntos) indicando a fusão dos genes BCR/ABL. Como há a possibilidade de os sinais do BCR a ABL estarem apenas lado a lado e não serem necessariamente rearranjados pode-se observar, em indivíduos normais, uma porcentagem de células contendo falsa fusão. Portanto, cada laboratório deve padronizar um nível de referência acima do qual passa-se a considerar a amostra como positiva. Na nossa experiência pessoal esse nível é 10%.7A segunda geração de sondas foi moldada para tentar ultrapassar esse inconveniente de falso positivo. Foi desenhada de tal modo que houvesse uma marcação extra para o restante do ABL que não foi translocado. Assim, há um sinal em verde para o BCR, outro vermelho para o ABL e no caso de rearranjo BCR/ABL, um sinal de fusão amarelo, além de um sinal extra menor, em vermelho, indicativo do restante do material do ABL que permaneceu no 9. Com isso, só são computadas como tendo rearranjo as células que apresentarem a fusão juntamente com o sinal extra remanescente no 9. Desta forma a mera justaposição geográfica de sinais não é mais computada como fusão e há uma diminuição significativa da falsa positividade.A terceira geração de sonda, a chamada de dupla fusão, é uma sonda maior que as demais e foi montada de modo a apresentar um sinal verde para o BCR, outro vermelho para o ABL e dois sinais de fusão verde-vermelhos ou amarelos, tanto indicando o rearrranjo BCR/ABL no 22, como seu inverso, o restante do material do ABL com o restante do BCR no derivado 9. Com isso, a taxa de falso positivo é reduzida a próximo de zero, resultando em alta especificidade e sensibilidade e, consequentemente, permitindo quantificar doença residual. Hoje, a sensibilidade desse tipo de sonda, conforme a quantidade de células contadas, vem sendo comparada ao RT-PCR.8Graças a essas sondas que marcam sinal extra ou dupla fusão, percebeu-se que alguns pacientes apesar de, sabidamente terem o Ph, apresentavam ausência do sinal extra ou da dupla fusão. Estudos mais pormenorizados demonstraram que cerca de 10 a 20% dos pacientes podem apresentar deleção da região proximal dos genes ABL ou BCR onde essas sondas maiores se ligam e emitem o sinal extra ou duplo. Assim, fenômenos adicionais à translocação estariam presentes e logo se evidenciou que talvez estivessem associados a pior prognóstico.9-11 Fica evidente que fenômenos genômicos adicionais ao Ph ocorrem nessa moléstia e que há necessidade de diversos estudos para entendê-los e elucidá-los.O RT-PCR hoje disponível, seja qualitativo ou semi-quantitativo, tem sido extremamente útil na identificação da presença ou ausência de doença, porém deixa de fornecer algumas informações importantes no manuseio dessa patologia.A grande promessa, ainda não disponível em muitos centros, é o PCR em tempo real que permite quantificar a doença residual de forma bastante sensível. Trabalhos futuros demonstrarão seu valor e indicações.Em resumo, sem dúvida que a simples substituição de um teste por outro mais novo ou mais sensível é bastante atraente, mas diante do exposto nota-se que o cariótipo ainda ocupa lugar de destaque ao diagnóstico não só para determinar a presença do Ph, mas de variantes ou alterações adicionais. Também, em determinados momentos no monitoramento da doença o cariótipo pode ser importante para revelar alterações evolutivas adicionais. Ainda no acompanhamento, se há mielossupressão evidente, pode-se ter dificuldade em obter metáfase e aí entra o FISH como alternativa. Porém, deve-se saber qual era o padrão de hibridação do FISH ao diagnóstico, pois variações nesse padrão podem estar presentes ad initio e não significar apenas ausência de fusão, ou surgirem no decorrer da moléstia e indicar progressão.