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INTRODUÇÃOAté recentemente, o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) era considerado relativamente raro. Estudos iniciais sugeriam que apenas 0.5% do total de pacientes psiquiátricos1 e 0.05% da população em geral tinham o diagnóstico de TOC.2 Dentre os fatores que provavelmente contribuíam para esses números reduzidos encontravam-se a relutância dos pacientes em divulgar seus sintomas, a falta de reconhecimento da diversidade dos sintomas obsessivo-compulsivos por profissionais de saúde, os erros de diagnóstico, e a omissão de perguntas de screening para o TOC durante o exame do estado mental de rotina.3 As estimativas mais atuais sugerem que o TOC acomete 0.6% da população norte-americana.4Em pacientes com TOC, observamos com freqüência comprometimento das relações maritais, familiares e sociais, prejuízo do desempenho ocupacional e elevadas taxas de desemprego e de aposentadoria por incapacidade.5 DuPont, Rice, Shiraki et al.6 constataram, por exemplo, que os dias perdidos de trabalho e a queda da produtividade relacionada ao TOC custaram à economia americana 5.9 bilhões de dólares em 1990. Os custos da mortalidade decorrente de suicídio (também considerados em termos de perda de produtividade) alcançaram 260 milhões de dólares. No total, estas cifras são quase três vezes maiores do que os custos diretos resultantes dos cuidados de saúde de pacientes com TOC. Nos últimos dez anos, temos observado um interesse crescente no diagnóstico e manejo terapêutico dos transtornos do espectro obsessivo-compulsivo em todo o mundo. No Brasil, este movimento tem sido acompanhado da criação de centros universitários ligados à pesquisa e ao tratamento do TOC em diversas cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife. Desde 1997, o Programa de Ansiedade e Depressão do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro tem acompanhado pacientes com TOC de forma sistemática. Durante este período já examinamos mais de 150 indivíduos encaminhados por clínicos ligados ou não ao nosso instituto, bem como pacientes recrutados por meio de entrevistas em órgãos de imprensa. O exame deste grande número de indivíduos permitiu a montagem de um extenso banco de dados englobando características sociodemográficas, clínicas e prognósticas do TOC "nuclear". Além disso, uma diversidade de pacientes com casos atípicos e de difícil manejo terapêutico também foi por nós avaliada. Muitos destes pacientes apresentavam transtornos pertencentes ao espectro do transtorno obsessivo-compulsivo.Diversos estudos recentes têm proposto uma redefinição dos limites, tanto internos quanto externos, do TOC.7 Estes estudos derivam da tentativa de "talhar a natureza (do TOC) em suas articulações".8 Realmente, é bastante provável que mecanismos neurobiológicos e ambientais não respeitem os limites artificiais estabelecidos pelos sistemas classificatórios vigentes [CID-109 e DSM-IV10]. Em outras palavras, diferentes pacientes podem chegar a desenvolver sintomas obsessivo-compulsivos fenomenologicamente indistingüíveis através de vias fisiopatológicas diversas, bem como síndromes distintas ("obsessóides") através de mecanismos fisiopatológicos em comum. Limites internos do TOCQuando falamos do TOC definido segundo os sistemas classificatórios atuais, podemos estar nos referindo a um grupamento de diferentes transtornos. Isto torna prioritária a identificação dos limites internos da síndrome, i.e. a caracterização de possíveis subtipos, com diferentes cursos, respostas terapêuticas e prognósticos. A identificação de subgrupos biologicamente homogêneos, em particular, seria fundamental para um maior entendimento da fisiopatologia e para o aprimoramento dos procedimentos diagnósticos e terapêuticos no TOC. Algumas tentativas relativamente bem sucedidas de caracterização de subgrupos de pacientes foram baseadas em variáveis clínicas, como por exemplo, as dimensões de sintomas,11-14 a comorbidade com tiques,15 e o curso da doença.16-17 Face a todos estes resultados, estudos que comparem outros potenciais subtipos de TOC quanto à clínica e à resposta terapêutica "no mundo real" (i.e. estudos naturalísticos) seriam de grande utilidade, permitindo comprovar se as diferenças descritas nos rígidos ambientes de pesquisa podem também ser observadas no dia-a-dia do clínico.Subtipos baseados no gêneroEm um trabalho com 69 pacientes,18 constatamos que indivíduos do gênero masculino se caracterizaram por uma idade de início mais precoce e por maior gravidade global do TOC. Em mulheres, observamos uma tendência a maior gravidade de sintomas depressivos. Entretanto, os gêneros não diferiram com relação a resposta terapêutica ao tratamento com antidepressivos.Subtipos baseados na idade de inícioEm um estudo com 66 pacientes com TOC,19 investigamos diferenças clínicas e terapêuticas entre pacientes com TOC de início precoce e tardio. Nós observamos que pacientes com o TOC de início anterior aos 17 anos se caracterizaram por: (1) maior freqüência do gênero masculino, (2) maior número de diferentes obsessões e compulsões clinicamente significativas, (3) maior freqüência de rituais de repetição, (4) maior gravidade dos sintomas obsessivo-compulsivos e (5) necessidade de um maior número de tentativas terapêuticas com medicamentos antiobsessivos. "Acumuladores"Nós também comparamos pacientes com TOC "acumuladores" (i.e. pacientes com dificuldades de se livrar dos mais diversos tipos de objetos) a pacientes com TOC sem este sintoma.20 Nosso interesse nos "acumuladores" surgiu da observação de que estes indivíduos, ao contrário da mayoría dos pacientes com TOC, são extremamente desorganizados. Neste estudo, com 97 pacientes, observamos que indivíduos com compulsões de acumulação (n = 15) apresentavam uma série de características peculiares, como maior escolaridade, idade de início mais precoce, maior freqüência de obsessões de simetria e de compulsões de organizacão, repetição de rituais e contagem, e maiores taxas de transtorno bipolar II e transtornos alimentares."Compulsivos -impulsivos"Sintomas compulsivos e impulsivos são freqüentemente considerados pólos opostos ao longo de um mesmo espectro. Enquanto compulsões são realizadas para aliviar sofrimento, impulsos "buscam" a maximização do prazer. Ao contrário do que se poderia imaginar, observamos que transtornos de controle dos impulsos são bastante freqüentes em pacientes com TOC. Além disso, em nossa avaliação, pacientes com TOC e transtornos de controle dos impulsos (compulsivo-impulsivos) caracterizaram-se por uma idade de início do TOC significativamente mais precoce, início mais insidioso, uma maior freqüência de transtornos de ansiedade, um maior número e gravidade de sintomas compulsivos e necessidade de um maior número de ensaios com inibidores da recaptação da serotonina no follow-up. Verificadores vs. lavadoresAs principais compulsões demonstradas por pacientes com TOC provenientes de várias partes do mundo são as compulsões de verificação e de lavagem.21 Na tentativa de replicar achados previamente descritos na literatura, nós investigamos, em um estudo ainda não publicado, se tais compulsões são marcadores de subtipos válidos de TOC. No entanto, em nosso estudo, "verificadores" não difeririam significativamente de "lavadores" em diversas avaliações psicopatológicas, achado aparentemente incompatível com a hipótese de que existem subtipos baseados nesses sintomas.Respondedores ao tratamentoOs mecanismos neurobiológicos do TOC têm sido investigados através de um grande número de métodos neuroquímicos, neuroanatômicos, genéticos, e imunológicos.8 Diante de tantas informações novas, um dos principais interesses para o clínico seria, ao nosso ver, o de determinar o verdadeiro impacto destes achados sobre variáveis relacionadas com o prognóstico e resposta ao tratamento do TOC. Infelizmente, em apenas um pequeno número de estudos foram realizadas tentativas de identificar um subgrupo biologicamente homogêneo de pacientes respondedores ao tratamento. Ademais, na maioria das vezes foram empregados métodos de investigação invasivos e laboriosos [como os testes neuroendócrinos22-23] ou custosos e não disponíveis em nosso meio [como a Tomografia por Emissão de Pósitrons.24-26Com essas prerrogativas em mente, nós investigamos a relação entre o desempenho de 20 pacientes com TOC em tarefas que avaliam as funções executivas e a resposta destes pacientes ao tratamento com inhibidores da recaptação da serotonina.27 Constatamos que o subgrupo de pacientes que respondeu ao tratamento caracterizou-se pelo comprometimento de uma função executiva em particular, i.e. a capacidade de mudar o cenário cognitivo.De maneira semelhante, em um estudo mais recente, nós utilizamos uma técnica conhecida como Tomografia Elétrica de Baixa de Resolução (Low Resolution Electrical Tomography, também conhecida como LORETA) com o objetivo de identificar preditores neurofisiológicos de resposta ao tratamento em pacientes com TOC.28 Observamos que aqueles indivíduos com uma resposta mais favorável ao tratamento à curto prazo com medicamentos anti-obsessivos caracterizaram-se por uma redução da atividade na banda beta na região do cíngulo anterior rostral (Áreas de Broadman 24 e 32) antes do tratamento.Limites externosAlguns subtipos de TOC podem guardar relação com outras categorias diagnósticas aparentemente "diferentes"; daí o interesse no estabelecimento de seus limites externos.7 De fato, há alguns anos vem sendo dada atenção a um novo grupo de síndromes que, apesar de não corresponderem ao diagnóstico de TOC segundo a CID-109 ou a DSM-IV,10 guardam importantes semelhanças fenomenológicas e neurobiológicas com este transtorno.Segundo Hollander e Wong,29 estas síndromes (chamadas de transtornos do espectro obsessivo-compulsivo) se aglutinariam nos seguintes grupos: (1) transtornos de controle dos impulsos (por exemplo, compulsões sexuais, tricotilomania, jogo patológico, cleptomania, skin-picking, entre outros), (2) transtornos da imagem corporal, i.e. transtornos caracterizados por preocupações com sensações ou aparência corporais (transtorno dismórfico corporal, anorexia e bulimia nervosa), e (3) alguns transtornos neurológicos (síndrome de Tourette, coréia de Sydenham, autismo, e síndrome de Asperger). Este alargamento do conceito de TOC resultaria em uma surpreendente mudança na maneira como se vê o transtorno. Se nos anos 50 acreditava-se que o TOC acometia somente 0.05% da população em geral, os transtornos do espectro obsessivo-compulsivo, segundo estimativas de alguns autores, afetariam até 10% da população norte-americana.30 É provável que estas taxas artificialmente inflacionadas resultem da inclusão de transtornos psiquiátricos freqüentes na população em geral (p.ex. transtornos alimentares) nos limites do espectro obsessivo-compulsivo.Embora ainda existam muitos estudos a serem conduzidos e muitas questões a serem respondidas,31-32 notamos uma certa uniformidade de achados neurobiológicos que apontam para a existência de semelhanças neurobiológicas entre o TOC e alguns destes transtornos (principamente síndrome de Tourette, transtornos invasivos de desenvolvimento, transtornos da imagem corporal e tricotilomania).A redefinição dos limites externos do TOC, com a possível expansão da abrangência do conceito de fenômenos obsessivo-compulsivos, tem levado a grandes avanços no manejo de transtornos do espectro, basicamente de duas formas: (1) tratamentos que utilizam elementos empregados de forma eficaz na terapêutica do TOC (p. ex. doses elevadas de medicamentos antiobsessivos ou técnicas de exposição e prevenção de resposta) têm sido cada vez mais utilizados com sucesso no tratamento de transtornos de controle dos impulsos, da imagem corporal e de alguns transtornos neurológicos; e (2) tratamentos que utilizam elementos empregados de forma eficaz na terapêutica de outros transtornos do espectro obsessivo-compulsivo (p. ex. neurolépticos na síndrome de Tourette) também têm sido utilizados no tratamento do TOC com bons resultados.Apesar de toda excitação gerada pelas possibilidades teóricas, clínicas e terapêuticas que acompanham o espectro obsessivo-compulsivo, estudos adicionais incluindo descrições fenomenológicas cuidadosas e comparando diretamente pacientes com transtornos do espectro obsessivo-compulsivo, pacientes com TOC e pacientes com outros transtornos psiquiátricos ainda são necessários para confirmar se os dois primeiros grupos de pacientes são mais semelhantes entre si do que a pacientes com outros diagnósticos.Em um punhado de trabalhos, estudamos os limites externos do TOC, em particular aqueles com os transtornos de controle de impulsos (comportamentos auto-mutilatórios), com os transtornos da imagem corporal (transtorno dismórfico corporal e transtornos alimentares) e com os transtornos neurológicos (síndrome de Asperger).Nós descrevemos, por exemplo, o caso de um paciente com transtorno dismórfico corporal que desenvolveu um tipo incomum de comportamento auto-mutilatório (impulsivo). Este comportamento foi denominado por nós de rinotricotilomania por agregar elementos da tricotilomania e da rinotilexomania.33 Um dos aspectos mais interessantes deste caso é o evidente contorno obsessivo-compulsivo assumido pela complexa síndrome psicopatológica deste paciente. Do ponto de vista fenomenológico, consideramos que o transtorno apresentado pelo indivíduo em questão repousaria nos limites virtuais existentes entre os transtornos de controle dos impulsos, os transtornos da imagem corporal e o TOC. Também relatamos o caso de um paciente que ilustra as fronteiras imprecisas que dividem o TOC de alguns transtornos neurológicos, em especial dos transtornos invasivos de desenvolvimento.34 No caso em questão, os sintomas obsessivo-compulsivos eram graves a ponto de "camuflar" os sintomas nucleares "aspergerianos" e dificultar o diagnóstico e manejo adequado do paciente. A investigação clínica e laboratorial revelou a presença de um mosaicismo 46 X,Y/45 X,0, anormalidade genética até então inédita em pacientes com síndrome de Asperger. De maneira semelhante, diversos estudos apontam para a existência de uma grande semelhança, tanto clínica quanto biológica, entre os transtornos alimentares (em particular a anorexia e a bulimia nervosa) e o TOC.35 Entretanto, pudemos verificar que ainda são escassos estudos fenomenológicos, neuroquímicos, neuropsicológicos e neuroimunológicos que incluam pacientes com transtornos alimentares, indivíduos com TOC e controles não saudáveis, i.e. pacientes com outras patologias psiquiátricas. Estes estudos seriam fundamentais para avaliar se os transtornos alimentares e TOC são mais parecidos entre si do que com outros transtornos.Ao contrário daquilo que é descrito em pacientes com transtornos alimentares clássicos (i.e., anorexia e bulimia nervosa), pacientes com transtorno de compulsão alimentar periódica (TCAP) não exibem sintomas obsessivo-compulsivos significativos.36 Pacientes obesos com TCAP apresentam um perfil de sintomas mais parecidos com os de pacientes obesos sem TCAP do que com os de pacientes com TOC.ConclusãoEm síntese, nossos trabalhos apoiam a visão do TOC como uma rede extremamentecomplexa de síndromes heterogêneas que só recentemente começa a ter sua natureza desvendada. A elucidação dos subtipos e fronteiras do TOC com outros transtornos psiquiátricos e neurológicos deverá resultar em uma mudança nos principais sistemas classificatórios vigentes.Agradecimentos: Aos professores Marcio Versiani e Mauro Vítor Mendlowicz.Los autores no manifiestan conflictos.