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É IMPERIOSA A INDICAÇÃO DE ESTUDO ELETROFISIOLÓGICO EM SOBREVIVENTES DE PARADA CARDÍACA
(especial para SIIC © Derechos reservados)
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Autor:
Medeiros de Vasconcelos, José
Columnista Experto de SIIC

Institución:
Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo SP, Brasil

Artículos publicados por Medeiros de Vasconcelos, José  
Coautor Silas dos Santos Galvão Filho* 
Especialista em cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia; Diretor do setor de Estimulação Cardíaca Artificial da Clínica de Ritmologia Cardíaca do Hospital Beneficência Portuguesa de São P*


Recepción del artículo: 28 de junio, 2004
Aprobación: 16 de septiembre, 2004
Conclusión breve
A fibrilação ventricular é de longe o mais freqüente distúrbio do ritmo cardíaco causador de morte súbita cardíaca e os cardioversores desfibriladores implantáveis são próteses eficazes no seu tratamento

Resumen

O estudo eletrofisiológico é rotineiramente indicado em sobreviventes de parada cardíaca. Esta linha de conduta tem como objetivo estabelecer o diagnóstico do distúrbio do ritmo cardíaco que potencialmente causou o evento e, consequentemente, orientar o tratamento individualizado mais adequado. Nestas circunstâncias, medidas terapêuticas podem ser adotadas com base em inferências diagnósticas feitas a partir dos resultados obtidos. Entretanto, as informações colhidas do estudo eletrofisiológico, não necessariamente permitem que se estabeleça uma relação precisa de causa e efeito. A fibrilação ventricular é de longe o mais freqüente distúrbio do ritmo cardíaco causador de morte súbita cardíaca e os cardioversores desfibriladores implantáveis são próteses eficazes no seu tratamento. O seu implante é necessário na imensa maioria dos casos de parada cardíaca não relacionada a fatores transitórios, à despeito dos resultados obtidos no estudo eletrofisiológico. Assim, a indicação sistemática de estudo eletrofisiológico em tais situações não é cientificamente justificável.

Palabras clave
Morte súbita, cardioversor desfibrilador implantável, estudo eletrofisiológico, fibrilação ventricular, arritmia

Clasificación en siicsalud
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Especialidades
Principal: Cardiología
Relacionadas: Cuidados IntensivosEmergentologíaMedicina Interna

Enviar correspondencia a:
José Tarcísio Medeiros de Vasconcelos. Rua Maestro Cardim 1041, Paraíso, São Paulo, SP, Brasil, CEP 01323 001 Medeiros de Vasconcelos, José Tarcísio



É IMPERIOSA A INDICAÇÃO DE ESTUDO ELETROFISIOLÓGICO EM SOBREVIVENTES DE PARADA CARDÍACA

(especial para SIIC © Derechos reservados)
Artículo completo
Introdução
A indicação de estudo eletrofisiológico invasivo em sobreviventes de parada cardíaca é uma prática rotineira e classicamente recomendada pelas associações médicas.1,2 Contudo, essa linha de conduta vem sendo alvo de discussão, após o advento dos cardioversores desfibriladores implantáveis (CDIs).3,4 O impacto positivo causado por tais próteses na mortalidade total e súbita nessa população trouxe uma natural tendência à busca de simplificação na abordagem terapêutica desses pacientes.
Nessa tendência, considerando que cerca de 95% dos casos de parada cardíaca são decorrentes de fibrilação ventricular,5 os elevados índices de recorrência do quadro após um evento inicial abortado6 e a eficácia dos CDIs em sua prevenção secundária, quando comparada a outras estratégias de tratamento,7-10 tornaram importante reavaliar o papel do estudo eletrofisiológico invasivo como método propedêutico e auxiliar terapêutico nas vítimas de parada cardíaca recuperada.
Emprego do estudo eletrofisiológico invasivo em sobreviventes de parada cardíaca
O fundamento lógico para justificar o emprego do estudo eletrofisiológico invasivo nos sobreviventes de parada cardíaca é o de estabelecer o diagnóstico do distúrbio do ritmo cardíaco causador do evento e, conseqüentemente, orientar o tratamento individualizado mais adequado. Condições de significado clínico e terapêutico distintos podem ser identificadas nessa investigação. a) Bradiarritmias: o estudo eletrofisiológico invasivo pode identificar a presença de uma disfunção sinusal ou um distúrbio grave da condução atrioventricular, cujo tratamento envolveria simplesmente o implante de um marca-passo definitivo; b) Taquicardias supraventriculares: uma síndrome de pré-excitação ou qualquer forma de taquicardia supraventricular pode ser diagnosticada. A ablação por catéter permitiria uma solução definitiva para o problema; c) Taquicardias ventriculares monomórficas ou polimórficas, ou mesmo a fibrilação ventricular podem ser induzidas e indiretamente implicadas na gênese do evento clínico (parada cardíaca). Tal achado abriria um leque de possibilidades terapêuticas, como o tratamento farmacológico guiado por estimulação, o simples tratamento farmacológico empírico, a ablação por catéter, a ablação cirúrgica, ou o implante de um CDI.
A despeito dessas considerações, é importante frisar que a morte súbita é uma síndrome complexa, cujos mecanismos são pouco compreendidos. As informações fornecidas pelo estudo eletrofisiológico invasivo, naqueles indivíduos que sobrevivem ao evento, permitem no máximo que se suponha seu mecanismo, frente a um ou mais achados, o que não necessariamente corresponde àquilo que ocorre na prática.
Bradiarritmias
A associação entre bradiarritmias e morte súbita é motivo de controvérsia de natureza epidemiológica. Estudos envolvendo documentação de morte súbita por meio de monitorização eletrocardiográfica pelo sistema Holter indicam que, em 16% a 20% dos casos, uma bradicardia corresponde ao evento final.11,12 A depressão da função sinusal parece ser mais frequente do que o bloqueio atrioventricular.11 Em um levantamento de 225 casos de morte súbita publicado por Myerburg e col. em 1984,13 envolvendo indivíduos que receberam atendimento médico por ocasião da ocorrência do evento, foram observadas bradiarritmias, definidas por assistolia, bradicardia sinusal ou ritmo idioventricular, em 27% dos pacientes. Em portadores de insuficiência cardíaca congestiva severa esses índices são mais elevados. Luu e col.14 avaliaram 21 casos de morte súbita em indivíduos que aguardavam transplante cardíaco, constatando que em apenas 8 pacientes (38%) taquicardias ventriculares corresponderam ao evento final. Em 13 casos (62%), a parada cardíaca foi atribuída a assistolia ou dissociação eletromecânica, sendo que em 7 desses pacientes não foram identificadas causas secundárias para o evento; nos 6 pacientes remanescentes, fatores precipitantes como isquemia miocárdica, tromboembolismo pulmonar e alterações metabólicas foram constatadas. Quando se analisam esses dados de forma crítica, conclui-se que tais valores estão superestimados. As documentações eletrocardiográficas de morte súbita pelo sistema Holter incorporam amostras selecionadas de pacientes que não são representativas da população geral. Ainda, a documentação de uma assistolia por ocasião do atendimento a uma vítima de morte súbita pode simplesmente ser demonstrativa de uma demora na assistência médica adequada; a assistolia seria apenas o estágio final de uma situação de fibrilação ventricular e hipóxia prolongadas. Tais observações são relevantes quando se analisam os achados eletrocardiográficos em vítimas de morte súbita, considerados de acordo com o tempo de atendimento médico; quando o tempo decorrido entre a ocorrência do evento e a assistência médica é inferior a 4 minutos, a assistolia é encontrada em apenas 5% dos casos, atingindo 25% quando esse tempo é superior a 16 minutos.5 Essa constatação, em tese, contribui para justificar os baixos índices de sobrevida quando a assistolia é o achado eletrocardiográfico em vítimas de morte súbita, que não ultrapassam 15%.12,13
O papel do estudo eletrofisiológico invasivo na identificação de bradiarritmias que estejam envolvidas na gênese da parada cardíaca recuperada não pode ser estabelecido à luz das evidências atuais. Recentemente Becker e cols apresentaram os resultados obtidos em estudos eletrofisiológicos realizados em uma série de 239 pacientes sobreviventes de parada cardíaca.15 Em 48.1% dos pacientes houve indução de taquicardia ventricular, em 5.4% indução de alguma forma de taquicardia supraventricular e em 46.5% dos casos, não houve indução de qualquer tipo de taquicardia. Entre os pacientes nos quais não foram induzidas taquicardias, foram constatadas anormalidades de condução atrioventricular em 11 (4.6%). Os autores inferiram que o possível fator causal das paradas cardíacas teria sido uma assitolia decorrente das alterações de condução identificadas no estudo, com base nas características clínicas do evento. Os pacientes foram submetidos simplesmente a implante de marcapasso cardíaco de dupla câmara. Destaca-se o fato de que aproximadamente metade destes pacientes apresentavam importante disfunção ventricular esquerda (fração de ejeção do ventrículo esquerdo inferior a 0.40) em quem a possibilidade de taquicardias ventriculares como causadoras das paradas cardíacas assume maior relevância. Além disso, não são apresentados no estudo dados de seguimento destes pacientes, não sendo possível assim determinar o papel que o simples implante de marcapasso teve na evolução dos casos. Assim, a constatação de anormalidades da função sinusal e/ou da condução atrioventricular obtida em estudo eletrofisiológico de pacientes sobreviventes de parada cardíaca, não necessariamente permite estabelecer uma relação de causa e efeito, considerando o fato que as bradiarritmias são responsáveis pela minoria dos casos de morte súbita. Desse modo, achados dessa natureza não podem determinar com segurança a melhor conduta terapêutica a ser adotada. Ainda, algumas entidades potencialmente responsáveis por morte súbita assistólica são transitórias, como é o caso das anormalidades de controle neural,16 não podendo ser identificadas no estudo eletrofisiológico invasivo.
Taquicardias supraventriculares
As taquicardias supraventriculares podem estar implicadas na morte súbita cardíaca tanto como fator causal direto como indireto, complicando uma doença cardíaca coexistente.15,17-19 No já citado estudo publicado por Becker e col.,15 de 239 pacientes sobreviventes de parada cardíaca submetidos a estudo eletrofisiológico, taquicardias supraventriculares foram induzidas em 13 (5.4%). Contudo, os autores só julgaram relevantes as taquicardias induzidas em 3 pacientes (2.2%), baseados nas características clínicas dos casos. Em um paciente, portador de síndrome de Wolff-Parkinson-White, que não apresentava cardiopatia estrutural, foi induzida fibrilação atrial. Em um outro paciente houve indução de flutter atrial com condução AV 1:1 e no terceiro, indução de taquicardia AV nodal de freqüência elevada. Aqui, mais uma vez destaca-se o fato de que os últimos dois pacientes eram portadores de doença arterial coronariana e importante disfunção ventricular esquerda. Em um levantamento de 290 casos de parada cardíaca abortada, publicado por Wang e col. em 1991,19 taquicardias supraventriculares que deterioravam em fibrilação ventricular corresponderam ao fator etiológico em 13 pacientes (4.5%), identificada por documentação eletrocardiográfica ou por inferência com base nos achados de estudo eletrofisiológico. Foram constatadas taquicardias atriais primárias com resposta ventricular elevada na ausência ou presença de síndromes de pré-excitação, taquicardia atrioventricular recíproca da síndrome de Wolff-Parkinson-White e taquicardias por reentrada nodal. O tratamento medicamentoso ou definitivo por ablação por catéter ou cirúrgica evitou a recorrência de fibrilação ventricular em todos os pacientes, em um seguimento médio de 42 meses. É digno de menção nessa série que, em outros 27 pacientes, no estudo eletrofisiológico invasivo foram induzidas tanto taquicardias supraventriculares como taquicardias ventriculares; como as taquicardias ventriculares cursavam com menor tolerabilidade hemodinâmica, os autores concluíram que estas, e não as primeiras, foram o fator causador da parada cardíaca nesses casos. Tal achado põe em questão o significado clínico das taquicardias supraventriculares induzidas em laboratório, naqueles indivíduos sobreviventes de parada cardíaca não documentada.
Taquicardias ventriculares
Como já discutido, a fibrilação ventricular é, de longe, o principal distúrbio do ritmo cardíaco identificado por ocasião de uma parada cardíaca. Embora as documentações eletrocardiográficas de morte súbita pelo sistema Holter indiquem que, na maioria desses casos, a fibrilação ventricular tenha como precursora uma taquicardia ventricular monomórfica,11 acredita-se que aqui, mais uma vez, esses resultados estejam superestimados, visto que tais estudos foram conduzidos em pacientes selecionados.4 Na realidade, as evidências obtidas de séries envolvendo populações não-específicas de pacientes indicam que o índice dos casos em que uma taquicardia ventricular monomórfica corresponde ao evento precursor da parada cardíaca não atinge 10%.20,21
A aplicabilidade do estudo eletrofisiológico em sobreviventes de parada cardíaca decorrente, ou supostamente decorrente, de taquicardias primariamente ventriculares tem, em tese, dois objetivos. O primeiro é de diagnóstico: tratando-se de uma parada cardíaca não documentada, a indução de taquicardia ventricular monomórfica sustentada, taquicardia ventricular polimórfica, ou fibrilação ventricular permite que se conclua, indiretamente, que aquela taquicardia induzida corresponde ao fator responsável pelo evento clínico. A não-inductibilidade de qualquer taquicardia permite inferir que o evento clínico não tenha sido motivado por arritmia ventricular. Tratando-se de uma parada cardíaca documentada por fibrilação ventricular, a indução de taquicardia ventricular monomórfica permite concluir que a fibrilação ventricular tenha sido motivada pela taquicardia induzida.O segundo objetivo é terapêutico. A indução de qualquer forma de taquicardia pode orientar o tratamento farmacológico, guiado por estimulação através de estudos seriados, buscando-se a supressão da indução. A terapia farmacológica empírica pode ser outra estratégia terapêutica frente a uma taquicardia induzida, previamente desconhecida. Taquicardias ventriculares monomórficas induzidas podem ser mapeadas e tratadas por ablação por catéter ou cirúrgica. A indução de taquicardias não-mapeáveis pode servir como achado de orientação para indicação de implante de um CDI.
Como já citado, porém, todas essas considerações são de natureza teórica. A análise dos diferentes estudos sobre o tema, em uma perspectiva crítica, demonstra que, na prática, a maior parte dessas inferências não encontram respaldo. Em sobreviventes de parada cardíaca, mesmo quando sabidamente por fibrilação ventricular, em apenas 70% dos casos se consegue indução de algum tipo de taquicardia ventricular no estudo eletrofisiológico invasivo, sendo que a taquicardia ventricular monomórfica sustentada corresponde somente a algo em torno de 40% das taquicardias induzidas.22-30 Ainda, a incapacidade de induzir taquicardia ventricular não é indicativa de bom prognóstico, visto que os índices de recorrência de parada cardíaca nesses casos podem chegar a até 17% em 21 meses25 (figura 1).









Figura 1. Eletrogramas intracavitários obtidos da memória de cardioversor desfibrilador implantável correspondentes à uma terapia ocorrida após o implante (registro em velocidade de 10 mm/s). Trata-se de um paciente portador de cardiomiopatia idiopática, sobrevivente de parada cardíaca por fibrilação ventricular documentada. Após o evento clínico foi medicado com amiodarona. O estudo eletrofisiológico pré-implante, realizado na vigência do uso de amiodarona, não foi acompanhado por indução de qualquer forma de taquicardia ventricular, apesar do emprego de até 3 extra-estímulos em ápex e via de saída de ventrículo direito, sob 2 ciclos base, utilizando-se acoplamentos fixos, varredura, seqüências curto-longo-curtas e sensibilização com isoproterenol. A despeito da negatividade da estimulação ventricular programada, decidiu-se pelo implante de CDI monocâmara. Quinze dias após o implante, na vigência do uso continuado de amiodarona, o paciente foi avaliado em função da percepção de choque. Observou-se a ocorrência de uma taquicardia ventricular polimórfica (A), precedida por uma seqüência curto-longo-curta, que degenerou para fibrilação ventricular (B), tratada de maneira eficaz pelo aparelho mediante deflagração de um choque de 17J (C). A estimulação ventricular programada no caso, foi incapaz de prever a ocorrência de uma taquicardia potencialmente fatal.
Em síntese, um grande número de pacientes sobreviventes de parada cardíaca não apresentam taquicardias ventriculares inductíveis, apesar de permanecerem em alto risco para um novo evento. E mais, nas situações de indução não é possível estabelecer uma relação causa-efeito entre aquela taquicardia induzida e o evento clínico. Se a aplicabilidade diagnóstica do estudo eletrofisiológico invasivo é questionável nessa população de indivíduos, seu emprego como método coadjuvante no tratamento é igualmente discutível. É sabido, de longa data, que a terapia farmacológica guiada por estimulação é capaz de reduzir a mortalidade em sobreviventes de parada cardíaca.24,25,28 Na série de Wilber e col.,25 por exemplo, que envolveu 166 pacientes, a supressão da indução de qualquer forma de taquicardia ventricular pelo tratamento antiarrítmico implicou um índice de mortalidade súbita de 12% em 21 meses de seguimento, contra 33% no grupo em que a supressão não foi obtida. Por mais que esses resultados sejam animadores, 12% de mortalidade arrítmica em pouco menos de 2 anos persiste sendo um índice elevado e inaceitável. A situação é análoga quando se considera o tratamento ablativo de taquicardias ventriculares monomórficas induzidas bem toleradas. A eliminação de um ou mais substratos arritmogênicos não permite pressupor proteção contra a recorrência de parada cardíaca, particularmente porque não é possível determinar o papel que esses substratos tiveram na gênese do evento clínico. Somam-se a isso os próprios índices de ineficácia das ablações, que são aguda e cronicamente elevados, o que leva alguns autores a recomendar implante de um CDI mesmo naqueles pacientes em que o procedimento eliminou todas as formas de taquicardias inductíveis, passíveis de mapeamento, visto que, mesmo nessas circunstâncias, os índices de recorrência de eventos arrítmicos em menos de 1 ano atingem até 20%.31 As taquicardias não mapeáveis em face de má tolerabilidade hemodinâmica, têm sido abordadas mediante ablação guiada por mapeamento eletroanatômico direcionada para áreas do miocárdio "eletricamente doentes". Esta técnica vem sendo testada com resultados iniciais animadores em amostras pequenas de pacientes.32 De modo análogo ao que ocorre com as taquicardias ditas "mapeáveis", a experiência clínica acumulada até o momento com este tipo de procedimento não permite que o implante do CDI seja dispensado. Entretanto, é possível que a realização de estudo eletrofisiológico invasivo e concomitante ablação por catéter previamente ao implante de CDI possa promover uma redução das ocorrências de tempestades arrítmicas. As tempestades correspondem a um problema comum em portadores de CDI e a sua ocorrência é motivo de uma má qualidade de vida em função dos sintomas gerados pelas taquicardias freqüentes e das terapias decorrentes destas taquicardias, além de poder ocasionar desgaste prematuro da bateria do aparelho.33,34 Em um levantamento recente realizado em nosso serviço (informações ainda não publicadas) envolvendo 100 pacientes consecutivos submetidos a implante de CDI, seguidos durante um período médio de 23 meses, foi constatada a ocorrência de tempestades arrítmicas em 34% dos casos. Em 73.5% dos pacientes vítimas do quadro, houve necessidade de algum tipo de intervenção para controle das tempestades (ajuste de drogas antiarrítmicas 61.7% e ablação por catéter 11.7% dos casos). Dois pacientes vieram a óbito em decorrência das próprias tempestades. Em uma análise de 9 variáveis, o diagnóstico de cardiopatia chagásica crônica foi o único elemento identificado como relacionado a ocorrência de tempestade arrítmica. Quando comparados os pacientes chagásicos aos não chagásicos, verificou-se que as freqüências cumulativas de pacientes livres de tempestade arrítmica foram respectivamente 60% versus 81% em 1 ano, 42% versus 81% em 2 anos e 42% versus 74% em 3 anos (p = 0.012). Em uma análise de regressão de Cox, contatou-se que os chagásicos apresentaram 2.4 vezes mais chances de apresentar tempestade arrítmica do que os não chagásicos (IC 95% 1.2 a 5 – p = 0.017). O diagnóstico de cardiopatia chagásica pode em tese identificar uma sub-população de maior risco para tempestade arrítmica, em que a ablação previamente ao implante de CDI pode ser potencialmente benéfica. Contudo, todas estas colocações correspondem a conjecturas. Não existem ainda evidências consistentes de que a ablação previamente ao implante do CDI reduza a incidência de tempestades. Além disso, a ablação por catéter pode ser desencadeada no paciente já portador de CDI, frente a uma eventual ocorrência de tempestade arrítmica que não possa ser controlada com emprego de fármacos antiarrítmicos.
Considerações finais
Com base nas evidências acumuladas, discutidas acima, é notório que a utilidade do estudo eletrofisiológico invasivo em sobreviventes de parada cardíaca é no mínimo questionável, quando considerada na maioria das situações clínicas.
Frente a essas considerações, a realização de estudo eletrofisiológico invasivo seria de importância crucial apenas naqueles indivíduos que sobreviveram a uma parada cardíaca não ligada a causas transitórias, onde a presença de uma doença cardíaca estrutural não seja estabelecida em uma avaliação criteriosa. A finalidade do estudo, nessas circunstâncias, seria a tentativa de identificar a presença de anormalidades cardíacas primariamente "elétricas", como uma síndrome de pré-excitação, uma taquicardia supraventricular, uma taquicardia ventricular idiopática, ou uma síndrome de Brugada inaparente.
Apesar de rotineira, a prática sistemática de estudo eletrofisiológico em sobreviventes de parada cardíaca não é cientificamente justificável, à luz do conhecimento atual. É óbvio que qualquer decisão médica não pode ser aplicada de maneira genérica, com base exclusivamente em resultados de estudos que expressam conclusões construídas com base em amostras uniformes de pacientes quanto a suas características clínicas, com o intuito de dar respaldo a um cálculo estatístico. É bem conhecida na prática a dificuldade freqüente de enquadramento de uma situação clínica do dia-a-dia naquilo que efetivamente se estabeleceu por evidências. O princípio da individualização sempre foi e sempre será a base de uma atividade médica empregada de uma forma correta. Por outro lado, a aplicabilidade de um determinado método diagnóstico ou terapêutico deve ser respaldada por uma base científica sólida, considerando-se sempre o "trinômio" risco-benefício-custo.
Los autores no manifiestan conflictos.
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