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DOENÇA CARDIOVASCULAR E TRANSPLANTE RENAL
(especial para SIIC © Derechos reservados)
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Autor:
Luís Henrique Wolff Gowdak
Columnista Experto de SIIC

Artículos publicados por Luís Henrique Wolff Gowdak 
Coautores Flávio Jota de Paula* José Jayme Galvão De Lima** 
MD, São Paulo, Brasil*
MD, PhD, São Paulo, Brasil**


Recepción del artículo: 1 de noviembre, 2006
Aprobación: 4 de enero, 2007
Conclusión breve
Desafios para a redução do risco de complicações cardiovasculares em pacientes com IRC incluem desde melhor estratificação de risco clínica e laboratorial até estratégias para prevenção e tratamento da doença cardiovascular.

Resumen

Pacientes com insuficiência renal crônica constituem um dos grupos de mais alto risco para complicações cardiovasculares graves. Assim, a avaliação clínica cuidadosa de pacientes candidatos a transplante renal, com ênfase na detecção de doença arterial coronária (DAC), é etapa crucial para se assegurar evolução segura no período pós-transplante. Entre os desafios de otimização de estratégias para a redução do risco de complicações cardiovasculares nesta população, destacam-se: validação prospectiva de sistema de estratificação de risco clínica, o que levaria à identificação de pacientes que merecem estratificação adicional (não-invasiva ou invasiva); a escolha de métodos com elevada sensibilidade/especificidade nesta população e em quais subgrupos devem ser empregados; e, finalmente, melhores estratégias para prevenção e tratamento da doença cardiovascular e eventos associados. Neste trabalho, procuraremos discutir criticamente estes pontos através de revisão da literatura ou da experiência acumulada pelo nosso grupo. Somente olhando criticamente para a doença cardiovascular em candidatos a transplante renal, é que poderemos identificar novos desafios e reduzir a incidência de eventos após o transplante renal, permitindo maior sobrevida aos transplantados renais.

Palabras clave
insuficiência renal crônica, diálise, doença cardiovascular, risco, transplante renal

Clasificación en siicsalud
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Especialidades
Principal: Trasplantes
Relacionadas: CardiologíaDiagnóstico por LaboratorioMedicina InternaNefrología y Medio Interno

Enviar correspondencia a:
Luís Henrique Wolff Gowdak, Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, 05403-000, São Paulo, Brasil


A CRITICAL VIEW OF CORONARY ARTERY DISEASE IN RENAL TRANSPLANT CANDIDATES - IDENTIFYING MAJOR CHALLENGES

Abstract
Patients with end-stage renal disease (ESRD) are one of the highest-risk groups for serious cardiovascular events. So, careful clinical assessment of renal transplant candidates, with special interest in the detection of significant coronary artery disease, is a crucial step to warrant a better long-term outcome after transplantation. Major challenges for greater reduction in the incidence of cardiovascular complications in this special population include: prospective validation of clinical risk stratification tools, leading to the identification of patients in whom additional workup may be needed (either non-invasive or invasive); selection of diagnostic methods with elevated sensitivity/specificity; and, finally, better therapeutic strategies for prevention and treatment of cardiovascular disease and comorbidities in patients with ESRD. In this paper, we will critically discuss those issues by reviewing the current literature and our own experience in the field. It is only through a critical appraisal of cardiovascular disease in renal transplant candidates that we will be able to identifiy new challenges in order to reduce the incidence of cardiovascular events after renal transplantation, yielding a better long-term survival.


Key words
chronic kidney disease, dialysis, cardiovascular disease, risk, renal transplantation


DOENÇA CARDIOVASCULAR E TRANSPLANTE RENAL

(especial para SIIC © Derechos reservados)
Artículo completo
Introdução
Pacientes com insuficiência renal crônica (IRC) constituem um dos grupos de mais alto risco para complicações cardiovasculares graves 1. Grandes estudos populacionais consistentemente demonstraram uma gradativa e direta relação entre a redução da função renal e a incidência de complicações cardiovasculares e morte 2-4. Como conseqüência, apenas 1 em cada 20 pacientes com IRC atinge os estágios mais avançados da uremia antes de sua inclusão em programas de diálise ou de transplante renal, a maioria morrendo, geralmente por complicações cardiovasculares, antes do início de terapia de substituição renal 5.
Assim, pacientes em lista de espera para transplante renal formam um subgrupo especial de pacientes com elevada concentração de fatores de risco cardiovascular e grande prevalência de doença cardiovascular, uma vez que já sobreviveram tempo suficiente para alcançar os estágios mais avançados da doença. Isto se reflete diretamente na elevada incidência de síndromes coronarianas agudas e outros eventos cardiovasculares sérios observados particularmente durante as primeiras semanas após o transplante renal 6,7.
A avaliação clínica cuidadosa de pacientes candidatos a transplante renal, com ênfase na detecção de doença arterial coronária (DAC), é etapa crucial para se assegurar evolução segura no período pós-transplante. Ainda há, entretanto, controvérsias sobre as melhores ferramentas para definição do risco cardiovascular, prognóstico e manejo desses pacientes. Neste trabalho, procuraremos rever as estratégias propostas na literatura para a identificação daqueles candidatos a transplante renal sob risco particularmente aumentado para eventos cardiovasculares sérios e as estratégias a serem adotadas para que se previnam tais eventos.

Definição de Grupos de Risco
A primeira etapa na estratificação de risco é baseada em elementos clínicos que incluem anamnese, exame físico e alguns exames laboratoriais. O objetivo da avaliação clínica é o de identificar pacientes de alto risco para eventos cardiovasculares futuros que possam merecer avaliação cardiovascular específica complementar através de testes não-invasivos e/ou invasivos. Além disso, a avaliação clínica cuidadosa contribui na identificação de pacientes passíveis de modificações do estilo de vida e intervenções farmacológicas para redução do risco cardiovascular global. Esta rotina é também recomendada para indivíduos na população geral e constitui o racional de muitos sistemas propostos de avaliação de risco cardiovascular, incluindo o sistema de risco de Framingham 8.
O uso de sistemas de avaliação de risco baseados em dados clínicos parece ser tanto simples quanto eficaz. O problema principal, no entanto, é a inexistência na literatura de um consenso em relação a quais características clínicas definiriam pacientes como sendo de baixo ou alto risco. Em um dos primeiros trabalhos sobre o tema publicado em 1994, Le e cols. 9 definiram como alto risco aqueles pacientes com pelo menos uma das seguintes características: diabetes mellitus insulino-dependente, idade maior ou igual a 50 anos, história de angina ou insuficiência cardíaca congestiva, ou alterações ao eletrocardiograma (excluindo-se hipertrofia ventricular esquerda).
Recentemente, classificações mais simples foram adotadas pela American Society of Transplantation (AST) 10 e pela European Renal Association (ERA) 11. A primeira adotou como critérios para alto risco a presença de doença cardiovascular ou diagnóstico de diabetes (tipos 1 ou 2) ou idade ( 50 anos. Todos os pacientes que não preenchessem esses critérios deveriam ser considerados como de baixo risco para eventos cardiovasculares futuros. O sistema proposto e adotado pela ERA prevê três categorias distintas de risco: alto-risco, pacientes com história de ou evidências atuais de doença cardiovascular; risco intermediário, para os pacientes com diabetes (tipos 1 ou 2), ou indivíduos com idade ( 50 anos; e baixo risco, pacientes que não preenchessem os critérios acima mencionados. Como pode ser apreciado na Tabela 1, a principal diferença entre as duas classificações é que alguns pacientes considerados como de alto risco pela AST são incluídos no grupo de risco intermediário da ERA. Por outro lado, não há diferença em relação aos pacientes classificados como de baixo risco pelos dois sistemas.
Nosso grupo de investigadores aplicou, prospectivamente, a avaliação clínica de risco cardiovascular a um grupo de 234 pacientes em hemodiálise encaminhados consecutivamente para avaliação de risco pré-transplante renal (Figura 1, dados não publicados). Neste estudo, o seguimento mediano foi de 24 meses e houve 32 eventos cardiovasculares maiores (“MACE”). Em pacientes classificados clinicamente como de alto-risco, a incidência de MACE foi 4 vezes maior do que naqueles classificados como de baixo risco, confirmando a utilidade desta estratégia 12.
Em outro estudo, aplicamos o Escore de Risco de Framingham em 122 candidatos a transplante renal incluindo-se apenas aqueles pacientes sem evidências de doença cardiovascular 13. O risco de doença coronária foi aproximadamente 2 vezes maior do que aquele de uma população controle de Framingham 8 mas não diferiu do risco relativo observado em um grupo referência de hipertensos primários pareados para sexo e idade.
Apesar da praticidade da estratificação de risco cardiovascular baseada em dados clínicos apenas, não há, no entanto, estudos prospectivos comparando o poder desses dois sistemas (AST e ERA) como preditor de eventos cardiovasculares. Interessado nessa questão específica, nosso grupo iniciou investigação prospectiva com seguimento previsto de 5 anos, ainda em curso, envolvendo mais de 600 candidatos a transplante renal, para comparação da estratificação de risco proposta pelas duas sociedades médicas como ferramenta preditora de eventos cardiovasculares. Esta investigação permitirá definir a acurácia dos dois sistemas de estratificação clínica de risco em relação à incidência de eventos, verificando-se se a introdução de um grupo de risco intermediário, como proposto pela ERA, oferece vantagens comparativamente à classificação mais simplificada da AST.
Outros sistemas de avaliação de risco concebidos primariamente para a população geral podem também ser aplicados à população de candidatos a transplante renal. Nesses sistemas, a definição de risco cardiovascular foi proposta para pacientes candidatos à cirurgia não-cardíaca, através da pontuação para variáveis clínicas previamente selecionadas como infarto do miocárdio, angina estável ou o estado geral do paciente. Os mais importantes são o Índice de Risco Cardíaco de Goldman 14 e o Risco Cardíaco Modificado adotado pelo American College of Physicians 15. Todavia, não há estudos validando a aplicabilidade desses métodos de estratificação de risco em candidatos a transplante renal.
Assim, ao menos por enquanto, parece prudente e adequado basearmo-nos nos métodos de estratificação acima mencionados na determinação do risco cardiovascular de pacientes em lista de espera para transplante renal.

Detecção Não-Invasiva de Doença Coronária
Como discutido anteriormente, a premissa dos sistemas de estratificação de risco é a de identificar pacientes sob risco aumentado para eventos cardiovasculares futuros, para os quais avaliação cardiovascular específica complementar se torna mandatória. Resultante desta avaliação, estratégias visando a redução do risco cardiovascular global e/ou intervenções médicas podem ser consideradas. Adotando-se esse racional, pacientes classificados como de alto-risco devem ser submetidos a testes diagnósticos não-invasivos para detecção de doença arterial coronária. Teoricamente, este procedimento ajuda a selecionar aqueles pacientes a serem encaminhados à cineangiocoronariografia; além disso, permitirá determinar o valor da estratificação de risco por meio de testes não-invasivos ou invasivos somada à estratificação de risco clínica.
Alguns estudos procuraram lidar com esta questão embora haja questionamentos em relação à acurácia dos testes não-invasivos em pacientes com IRC. Aqui, cabe ressaltarmos que, nas situações em que a prevalência da doença seja alta (como a daqui discutida), as características mais desejáveis para qualquer teste diagnóstico são alta sensibilidade e alto valor preditivo negativo. De outra maneira, um teste negativo poderia representar um resultado falso-negativo.
No já mencionado estudo de Lewis e cols. 12, ocorreram 17 eventos cardiovasculares fatais/não-fatais entre 60 pacientes com cintilografia de perfusão miocárdica anormal (defeitos reversíveis e/ou fixos), mas nenhum evento entre aqueles com cintilografia normal, indicando sensibilidade adequada para o teste. Concluiu-se, desta maneira que, para pacientes de alto-risco com estudo de perfusão miocárdica normal, a coronariografia pode ser dispensada. Esses resultados, todavia, não foram universalmente replicados 16-18. O uso da ecocardiografia de estresse com dobutamina em candidatos a transplante renal é limitado e de resultados discutíveis 16,19, o mesmo se aplicando ao teste ergométrico. Resultados preliminares do nosso laboratório sugerem que a pesquisa de isquemia pela ressonância magnética cardíaca em protocolo de estresse farmacológico seja mais acurada do que outros testes não-invasivos para a detecção de doença arterial coronária significativa, ainda que seus resultados estejam abaixo daqueles encontrados para a população geral 20,21.
A Tabela 2 ilustra a experiência de nosso grupo com diferentes testes não-invasivos para a detecção de DAC definida pela angiografia em candidatos à transplante renal considerados como de alto-risco 16,22. Embora os números não indiquem a incidência de eventos, sugerem que os testes não-invasivos apresentam um desempenho inferior em pacientes com IRC do que o encontrado na população geral. Outros marcadores de doença vascular aterosclerótica como espessamento médio-intimal carotídeo, distensão carotídea ou velocidade da onda de pulso (VOP) detectáveis por métodos não-invasivos são promissores mas ainda não foram validados para definição de risco em pacientes com IRC.
Em pacientes com risco intermediário de acordo com a ERA, na ausência de estudos específicos, justifica-se a extensão de testes não-invasivos nesta população a fim de se estabelecer sua utilidade neste subgrupo. Na população geral, o manuseio de pacientes de risco intermediário é controverso 23. Lembremo-nos, no entanto, de que candidatos a transplante renal encontram-se numa situação bastante particular, uma vez que serão submetidos a um procedimento cirúrgico associado a aumento da incidência de eventos cardiovasculares. Por outro lado, pacientes de baixo risco podem ser seguidos clinicamente para modificação dos fatores de risco para prevenção primária da doença cardiovascular, sendo liberados para transplante renal sem a necessidade de investigação adicional.

Detecção Invasiva de DAC – Cineangiocoronariografia
A cineangiocoronariografia permanece como o método mais eficaz para a detecção de DAC, a despeito de seu elevado custo, de se tratar de método invasivo e associado a risco de complicações. Mais ainda, na população geral, a relevância prognóstica da DAC está intimamente relacionada não somente à extensão anatômica da doença revelada pela coronariografia mas também à extensão da isquemia miocárdica documentada não-invasivamente. Com esta fundamentação, torna-se desnecessária a realização de testes invasivos em todos os pacientes sob risco de DAC. Não há, todavia, evidências convincentes de que tal conceito se aplica também a pacientes com IRC.
Determinamos o valor da angiografia coronária como preditor de eventos em um grupo de 126 candidatos a transplante renal de alto-risco 16, definidos de acordo com a AST 10. Todos os pacientes foram submetidos à cineangiocoronariografia independentemente da presença de sintomas ou de resultados dos testes não-invasivos. DAC crítica (definida por redução luminal ( 70%) foi encontrada em 42% dos pacientes. Definiu-se como desfecho primário a incidência combinada de MACE fatais/não-fatais. A Figura 2 mostra as curvas de Kaplan-Meier de sobrevida livre de eventos para pacientes com e sem DAC. Como pode ser observado, pacientes sem DAC apresentaram sobrevida livre de eventos significativamente maior do que aqueles com DAC. A incidência de eventos foi de 27% entre os indivíduos com DAC e de apenas 3% naqueles com graus menores de obstrução ou coronárias normais, determinando um risco relativo de eventos de cerca de 10 vezes. Esses resultados ilustram o grande valor da coronariografia como preditor de eventos em uma população de alto-risco.
Tão importante quanto esta última observação, é o fato de que no mesmo estudo, a investigação não-invasiva pela cintilografia de perfusão miocárdica e o ecocardiograma de estresse com dobutamina-atropina falhou na identificação de pacientes sob risco aumentado de eventos. Em verdade, a perfusão miocárdica nos testes não-invasivos foi normal em 30% dos pacientes com DAC crítica. Propusemos, assim que, todos os pacientes considerados de alto-risco devem ser encaminhados diretamente à coronariografia, ao invés de serem pré-selecionados por testes não-invasivos. Esses resultados, de certa maneira, subvertem a noção de que a relevância clínica de lesões coronárias anatômicas devam ser inferidas através de testes funcionais, tal qual na população geral. Pode-se especular daí que pacientes com IRC se comportam diferentemente dos indivíduos sem doença renal crônica terminal, no sentido de que nos primeiros a anatomia coronária parece determinar o prognóstico independentemente da sua expressão funcional.
Há que se comentar, entretanto, a aparente discrepância entre os diversos estudos que procuraram definir o valor da cintilografia como preditor de eventos em pacientes candidatos a transplante renal considerados de alto-risco 16-21. Pode-se apenas especular, até o momento, que a baixa sensibilidade dos testes não-invasivos, considerando-se a incidência de eventos futuros, é mais crítica no subgrupo de pacientes de alto-risco assim classificados por apresentarem doença cardiovascular, incluindo DAC. Naqueles pacientes igualmente classificados como de alto-risco mas por serem diabéticos ou com idade igual ( 50 anos, os estudos de perfusão miocárdica podem ter melhor desempenho como preditores de eventos.
A estratificação de risco pela ERA pode permitir que essa hipótese seja prospectivamente testada. É possível que a presença de DAC seja um marcador de doença vascular mais generalizada, não apenas restrita ao território coronariano, e que sua presença confira um risco tão mais alto que a contribuição individual dos outros elementos (idade ou diagnóstico de diabetes) seja de secundária importância, apesar de serem critérios de definição de alto risco pela AST. Se estudos prospectivos e de seguimento clínico, tendo a incidência de eventos cardiovasculares como desfecho, mostrarem que esta hipótese seja correta, coronariografia poderia ser confinada a todos aqueles pacientes com evidências de doença cardiovascular. Aqueles pacientes de alto-risco porém sem evidência de doença cardiovascular (ou de risco-intermediário, se adotarmos o sistema da ERA) devem ser submetidos à angiografia coronária apenas quando houver alterações da perfusão miocárdica, por exemplo, pela cintilografia miocárdica.

Tratamento da Doença Arterial Coronária
Uma vez estabelecido o diagnóstico de DAC crítica, há que se definir pela melhor estratégia terapêutica, frente às diversas opções atualmente disponíveis. Na população geral, diversas diretrizes foram publicadas 24-26 orientando a escolha terapêutica, de acordo com características que incluem a apresentação clínica, a resposta ao tratamento medicamentoso, a extensão da área de isquemia miocárdica e da doença anatômica (número de vasos acometidos, grau e localização da obstrução). Essas diretrizes, embora largamente aplicadas a candidatos a transplante renal, não foram validadas nesta população por ensaios clínicos prospectivos e randomizados. Por essa razão, a estratégia terapêutica da DAC em candidatos a transplante renal permanece indefinida, em parte porque a presença de IRC é usualmente critério de exclusão em ensaios clínicos prospectivos relacionados ao tratamento da doença isquêmica crônica do coração 27.
Uma das mais importantes questões é a se pacientes com IRC terão melhor evolução com tratamento clínico ou revascularização miocárdica (percutânea/cirúrgica). Há poucos estudos comprando essas duas modalidades de tratamento em pacientes com IRC, sendo que, em sua maioria, os estudos eram retrospectivos e aparentemente apontaram para uma melhor evolução com tratamento intervencionista 28-30. O único estudo prospectivo e randomizado disponível até o momento incluiu 26 pacientes diabéticos em hemodiálise e concluiu que a revascularização miocárdica (percutânea ou cirúrgica) associou-se à redução de eventos cardíacos e menor mortalidade cardiovascular 31. Baseados nos dados publicados, pode-se inferir que o tratamento clínico pode não ser o tratamento de escolha para pacientes com IRC e DAC; no entanto, destacamos que as evidências ainda estão longe de serem conclusivas, entre outras razões, porque o tratamento clínico oferecido àqueles pacientes pode ser considerado inadequado pelos padrões atuais 32,33. Conclui-se, portanto, que ainda são necessários estudos adequadamente concebidos para se estabelecer o papel do tratamento clínico moderno no manuseio de pacientes com IRC e DAC. Até lá, devemos basear-nos nas recomendações expostas nas diretrizes atuais para a população geral, valendo-se da terapia clínica considerada como “estado da arte” para DAC, em particular para aqueles pacientes de alto risco cardiovascular, como os são os pacientes com IRC. Infelizmente, esta última observação parece algo distante ainda da prática clínica atual 34.
Se optarmos pelo tratamento intervencionista, duas estratégias se nos apresentam alternativamente: revascularização percutânea (angioplastia com implante de “stent” coronário) ou revascularização cirúrgica. Um grande estudo retrospectivo baseado nos dados disponíveis do registro de mais de 15.000 pacientes em diálise comparou a sobrevida livre de eventos após angioplastia transluminal coronária (ATC), intervenção coronária percutânea com implante de “stent” (PCI) ou cirurgia 35. A sobrevida global livre de eventos aos 2 anos de seguimento foi de 82,5% (PCI), 81,6% (ATC), 74,4 a 82,7% (cirurgia, dependendo do uso ou não da artéria torácica interna). Os riscos relativos calculados de mortalidade geral e mortalidade cardíaca não diferiram entre os grupos. Novamente aqui há limitações inerentes ao estudo em se tratando de análise retrospectiva e obviamente não-randomizada; além disso, o potencial dos “stents” coronários farmacológicos (drug eluting stents) e da terapia clínica mais agressiva não foram testados.
Em conclusão, os resultados imediatos e tardios de qualquer modalidade terapêutica para a DAC em pacientes com IRC são inferiores aos daqueles em pacientes com função renal normal 36. A revascularização cirúrgica parece se associar a menor taxa de reintervenções coronarianas do que aquela determinada pela angioplastia, embora a morbi-mortalidade cardiovascular seja semelhante 37. O valor real do tratamento farmacológico moderno, sabidamente cardioprotetor na população geral, bem como o uso de stents farmacológicos, precisa ser urgentemente avaliado no tratamento da DAC em pacientes com IRC. Indiscutível, nos parece, a necessidade de ensaios clínicos prospectivos, randomizados e controlados, para a comparação das estratégias atualmente disponíveis para o tratamento da DAC, especificamente nesta crescente população de alto risco cardiovascular, qual seja, a de pacientes com IRC.

Conclusão
A doença cardiovascular é a principal causa de morte entre receptores de transplante renal e grande parte desses eventos fatais tende a ocorrer nas primeiras semanas após o procedimento. Esta última observação sugere que os algoritmos de estratificação de risco de candidatos a transplante renal, adaptados daqueles usados para a população geral, devem ser revistos e aperfeiçoados. As tarefas mais prementes consistem em a) melhor definição do sistema de estratificação de risco; b) identificação de pacientes que devem ser adicionalmente estratificados (não-invasiva ou invasivamente); c) escolha de métodos com elevada sensibilidade/especificidade nesta população; d) quando e em quais subgrupos os testes devem ser empregados; e) melhores estratégias para prevenção e tratamento da doença cardiovascular e eventos associados. Somente através de estudos bem delineados, randomizados e controlados e com grande número de pacientes e tempo de seguimento adequado é que poderemos efetivamente alterar a história natural da doença cardiovascular em pacientes com IRC, impactando a incidência de eventos após o transplante renal, e permitindo maior sobrevida aos transplantados renais.
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