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PANORAMA DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO BRASIL
(especial para SIIC © Derechos reservados)
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Autor:
Janeth de Oliveira Silva Naves
Columnista Experto de SIIC

Artículos publicados por Janeth de Oliveira Silva Naves 
Coautor Margô Gomes de Oliveira Karnikowski* 
Doutora em Patologia Molecular, Brasilia, Brasil*


Recepción del artículo: 28 de diciembre, 2006
Aprobación: 2 de marzo, 2007
Conclusión breve


Resumen

O artigo apresenta e discute aspectos relevantes da assistência farmacêutica no contexto brasileiro visando à proposição dos principais desafios a serem enfrentados. Expõe reflexões motivadas pela compreensão do impacto que as ações de assistência farmacêutica exercem na atenção à saúde, no cenário de um país em desenvolvimento onde o sistema de saúde encontra-se em construção. Nas últimas décadas o setor farmacêutico no Brasil está passando por grandes mudanças, destacando-se a publicação da primeira Política Nacional de Medicamentos em 1998 e a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária em 1999, incluindo a publicação em 2004, da Política Nacional de Assistência Farmacêutica. Verifica-se o fortalecimento dos mecanismos de regulação e a reorientação das ações de assistência farmacêutica com descentralização dos recursos e das ações para os estados e municípios. No entanto, ainda observam-se muitos problemas relacionados ao acesso a medicamentos essenciais e à qualidade da gestão e dos serviços no setor público, necessidade de regulamentação da comercialização e das práticas no setor privado, bem como a necessidade de medidas de promoção do uso racional de medicamentos voltadas aos profissionais de saúde e usuários.

Palabras clave
assistência farmacêutica, uso racional de medicamentos, política de medicamento, medicamentos essenciais, farmácia

Clasificación en siicsalud
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Especialidades
Principal: Medicina Farmacéutica
Relacionadas: Atención PrimariaBioéticaFarmacologíaToxicología

Enviar correspondencia a:
Janeth de Oliveira Silva Naves, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília, 70910-900, Brasilia, Brasil


Pharmaceutical Assistance in Brazil: An Overview

Abstract
Brazil is a developing country whose healthcare system is still being implemented and, therefore, pharmaceutical assistance exerts a significant impact upon its healthcare system. In this context, this study discusses the main issues related to pharmaceutical assistance in Brazil, to then establish the major challenges that still need to be overcome. Over the last few decades, the pharmaceutical sector in Brazil has been going through many changes. In fact, the first National Drug Policy was published in 1998 and the National Health Vigilance Agency created in 1999, followed by the National Pharmaceutical Assistance Policy publication in 2004. Consequently, regulation mechanisms were improved and intensified. In addition, pharmaceutical assistance actions were restructured via a decentralization of resources and actions of the counties and states. In the public sector, however, problems are still observed related to the general public's access to essential drugs, as well as in management and service quality. Furthermore, drug commercialization and practices within the private sector need to be regulated. Procedures to promote rational drug use among healthcare professionals and users should also be implemented.


Key words
pharmaceutical assistance, rational drug use, drug policy, essential drugs, pharmacy


PANORAMA DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO BRASIL

(especial para SIIC © Derechos reservados)
Artículo completo
Introdução

Este artigo propõe-se a apresentar e discutir aspectos relevantes da assistência farmacêutica no contexto brasileiro visando à proposição dos principais desafios a serem enfrentados. As reflexões aqui expostas foram motivadas pela compreensão do impacto que as ações de assistência farmacêutica exercem na atenção à saúde, no cenário de um país em desenvolvimento onde o sistema de saúde encontra-se em construção.


Assistência farmacêutica: Direito do cidadão e princípio orientador do Sistema Único de Saúde

Sabe-se que o direito humano à saúde, reconhecido por tratados internacionais e pela Organização das Nações Unidas, conduz à necessidade e ao direito de acesso a serviços de qualidade. A atenção à saúde envolve práticas abrangentes que vai além da ausência de doença. Nestas práticas insere-se a assistência farmacêutica, incluindo os medicamentos e seus serviços que são elementos indispensáveis para a efetividade das ações.

Mesmo aceitando-se a função limitada dos medicamentos, reconhece-se que a sua disponibilidade e uso racional são elementos críticos para a saúde, constituindo-se em importante indicador de eqüidade e justiça social.1

No Brasil, a Constituição Federal brasileira de 1988 define, em seu art. 196 que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações de serviço para sua promoção, proteção e recuperação.”2 Portanto, no Brasil, criar políticas e condições para que todos tenham acesso aos produtos e serviços de saúde de que precisam, é também tarefa do Estado, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) que foi constituído com base nos princípios da universalidade, da equidade e da atenção integral à saúde. Esse sistema é coordenado em nível federal pelo Ministério da Saúde (MS) e as ações e serviços públicos são desenvolvidos pelos governos municipais e estaduais, bem como pelos serviços privados contratados ou conveniados.

Em seqüência, foi publicada a Lei 8.080/1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços de saúde. Ela regula as ações e serviços de saúde e entre os objetivos enumerados, destaca-se a assistência às pessoas por intermédio de ações assistenciais, preventivas e de recuperação da saúde. No seu Art. 6, inclui no campo de atuação do SUS a assistência terapêutica integral, inclusive a farmacêutica.3


Formulação de políticas farmacêuticas

Desde a década de 70 a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem destacado a importância dos países formularem e implementarem políticas de medicamentos como parte das políticas de saúde. Uma política farmacêutica nacional representa um compromisso oficial de um governo com a população, com estabelecimento de objetivos e estratégias referente ao setor farmacêutico. Essas políticas devem incluir como componentes a definição de responsabilidades dos diferentes atores envolvidos na questão do medicamento, as diretrizes para o setor, o financiamento e a promoção do uso racional de medicamentos, entre outros.4

O Brasil teve sua primeira Política Nacional de Medicamentos (PNM) publicada em 1998. O seu propósito era “garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais”.5

As diretrizes dessa política enfocavam a atualização e adoção da Relação de Medicamentos Essenciais, a reorientação e descentralização da assistência farmacêutica, o desenvolvimento científico e tecnológico, o estímulo à produção de medicamentos e a sua regulamentação sanitária, a promoção do uso racional, desenvolvimento e capacitação de recursos humanos.5 É importante ressaltar que esta política foi proposta de forma integrada a Política Nacional de Saúde, a qual tornou pública a importância dos medicamentos para a resolutividade das ações de saúde.

Em resposta ao amadurecimento das discussões no âmbito Assistência Farmacêutica, o Ministério da Saúde (MS) publicou em 2004 a Política Nacional de Assistência Farmacêutica. Este documento estabeleceu uma política norteadora para formulação de políticas setoriais integradas envolvendo medicamentos, ciência e tecnologia, desenvolvimento industrial e formação de recursos humanos, dentre outras.6


Panorama nacional da assistência farmacêutica

Embora o acesso universal a medicamentos seja estabelecido constitucionalmente no Brasil, a cobertura do sistema continua sendo parcial; há deficiências nos sistemas de abastecimento de medicamentos, nos mecanismos de financiamentos e na integração das ações de assistência farmacêutica às ações de saúde.7,8

Alguns programas administrados pelo MS, conseguem atingir níveis universais de disponibilização de medicamentos e uso racional por meio da adoção de diretrizes clínicas para o tratamento, como o Programa Nacional de AIDS, cuja efetividade é verificada pela diminuição da morbimortalidade e das internações por doenças oportunistas.9 No entanto, as maiores dificuldades aparecem quando a execução das ações se faz em nível local, mostrando a fragilidade no processo de descentralização das ações, com disponibilização parcial de medicamentos essenciais, sujeitos a interrupções freqüentes no fornecimento; rede de serviços com estrutura física e de recursos humanos precários que não favorecem a implantação de programas de orientação e atenção farmacêutica.7,10 A falta de resolutividade das ações na atenção primária, sobrecarregam os níveis de assistência de maior complexidade, cujas ações envolvem maiores custos.

No atual contexto brasileiro, onde as demandas por atenção à saúde não são plenamente atendidas, verifica-se que as farmácias comunitárias se constituem em importante local de procura por atendimento primário em saúde. Porém, a comercialização de medicamentos nas farmácias, em sua maioria, está nas mãos de proprietários leigos e balconistas. Estes, em geral, têm baixa escolaridade, primeiro ou segundo graus, e não existe uma exigência sistemática de qualificação, para exercer a função de atendente em farmácias no Brasil. Observa-se, também, que estes trabalhadores têm seus salários baseados em comissões proporcionais às vendas que efetuam e recebem, com freqüência treinamentos ministrados pela indústria farmacêutica.1

Segundo dados do Conselho Federal de Farmácia, existem no Brasil cerca de 74 189 farmácias privadas11 e o setor privado é o principal responsável pelo fornecimento de medicamentos à população brasileira, sendo esses estabelecimentos os responsáveis por 76% do fornecimento direto de medicamentos à população.12 A comercialização de medicamentos no varejo possui algumas características que a diferenciam de alguns países desenvolvidos, como a possibilidade de abertura de farmácias por leigos, independente de sua formação e da quantidade de estabelecimentos que já possuam e a ausência de critérios geográficos e populacionais para abertura de novas farmácias, o que cria uma concorrência acirrada nos grandes centros. Não há critérios para obtenção de licença de propriedade de uma farmácia; apenas a exigência da contratação de um farmacêutico como responsável-técnico.1

Embora o acesso universal a medicamentos seja estabelecido constitucionalmente, encontra-se em fase de implantação pelo governo brasileiro, o Programa Farmácia Popular do Brasil, que consiste na implantação de rede de farmácias em parceria com governos estaduais, municipais e rede privada para o fornecimento de medicamentos essenciais a preço de custo, adquiridos preferencialmente de laboratórios oficiais. Este programa foi instituído por Decreto Presidencial no ano de 2004, a partir do qual iniciou-se a implantação de forma gradual, priorizando os municípios sedes de regiões metropolitanas que se constituem em grandes aglomerados urbanos. Estas farmácias se distribuem em todos os estados brasileiros e atendem usuários provenientes da rede pública ou privada. Em 1 de dezembro de 2006 foi inaugurada a 236a unidade.13,14

Apesar das recomendações e ênfase dadas nas políticas nacionais para o setor de que a assistência farmacêutica não se restrinja a ações de disponibilização de medicamentos, as ações de promoção do uso racional de medicamentos ainda são bastante limitadas no Brasil, constituindo iniciativas fragmentadas e de pequena abrangência. Uma das estratégias de promoção do uso racional de medicamentos é a elaboração da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), que no Brasil existe desde 1974 e foi atualizada em 2002 e novamente em 2006. Outra estratégia é a elaboração de um Formulário Terapêutico Nacional, que se encontra em fase de conclusão. No entanto, com relação ao uso racional de medicamentos, ainda não foram verificadas mudanças significativas na formação e nas práticas dos prescritores e vendedores do varejo, bastante influenciadas pela publicidade veiculada pela indústria farmacêutica.15

No ano de 2005, foi publicado um amplo e importante estudo conduzido pelo Ministério da Saúde e Organização Pan-Americana da Saúde, constando de um inquérito realizado nos serviços públicos de saúde, estabelecimentos do comércio farmacêutico varejista e domicílios, utilizando um conjunto de indicadores propostos pela OMS que avaliam a estrutura, processos, acesso e uso racional de medicamentos, fornecendo, no conjunto, uma visão geral da situação da assistência farmacêutica nacional.

Os resultados deste estudo foram agrupados em aspectos importantes como: acesso, qualidade e uso racional de medicamentos que permitiriam identificar resultados da política nacional para o setor farmacêutico do País. O estudo foi conduzido em cinco regiões geográficas (um estado por região) e dois municípios por estado, a capital e outro município definido por sorteio. A coleta de dados aconteceu nas unidades de abastecimento farmacêutica, unidades ambulatoriais, centros de saúde, postos de saúde, farmácias privadas e, em domicílios.8

As conclusões deste estudo mostram que o setor farmacêutico no Brasil vem passando por transformação significativa desde a publicação de sua primeira Política Nacional de Medicamentos em 1998 e criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em 1999, incluindo a publicação em 2004, da Política Nacional de Assistência Farmacêutica. Verificou-se o fortalecimento dos mecanismos de regulação e reorientação com descentralização dos recursos e das ações de assistência farmacêutica para os estados e municípios.8

A estrutura legislativa e os mecanismos de regulação do setor farmacêutico foram considerados abrangentes, porém seus regulamentos específicos são fragmentados e se encontram, ainda, em processo de consolidação. A fiscalização do cumprimento e o controle de qualidade dos produtos farmacêuticos, em grande parte, sob a responsabilidade das Vigilâncias Sanitárias estaduais e municipais, está se tornando mais eficiente, embora ainda apresentem falhas. No Brasil, a formulação de políticas para o setor farmacêutico é de responsabilidade do Ministério da Saúde; a gestão desse sistema é compartilhada pelo MS, pelas secretarias estaduais e municipais de saúde, em decorrência das orientações das políticas nacionais do setor para a descentralização das ações. Observa-se uma reorganização do setor, porém com grandes dificuldades no sistema de gestão, nos mecanismos de financiamento e na integração das ações de assistência farmacêutica ás ações de saúde que, em muitos estados e municípios, estão restritas a disponibilização de medicamentos.8

Apesar de contar com 450 indústrias farmacêuticas e de uma rede de 16 laboratórios oficiais, a produção de medicamentos ainda é, fortemente, dependente da importação de matéria prima e de tecnologia externa.8

Apesar da disponibilidade pontual de medicamentos essenciais nas unidades de atenção básica apresentar médias aceitáveis, ocorrem falhas ou interrupções freqüentes de fornecimento, bem como grandes diferenças regionais. A porcentagem dos medicamentos principais em estoque variou de 73 a 89%. E a média geral do país para a porcentagem de medicamentos prescritos e dispensados nas unidades de saúde foi de 65.7%, variando de 22 a 93.2%. Outro indicador importante, o tempo médio de desabastecimento dos medicamentos-chave para as Centrais Farmacêuticas de Abastecimento (CAF) municipais foi de 74.2 dias por ano e nas estaduais foi de 127.5 dias. Estes dados revelam o desabastecimento dos medicamentos da lista-chave para cerca de um quarto do ano, em média.8

A freqüência de disponibilidade de um elenco de medicamentos-chave essenciais de primeira escolha para doenças importantes, no nível de cuidados básicos em saúde, encontrou 73% de disponibilidade para unidades públicas e 89% para farmácias privadas, indicando que mesmo em estabelecimentos privados o usuário nem sempre encontra todos os medicamentos de que necessita.8

Quanto ao acesso, os indicadores evidenciaram que para os trabalhadores de baixa renda, existe um comprometimento importante do seu orçamento familiar para acesso e aquisição de medicamentos para o tratamento de doenças importantes na atenção básica. No inquérito domiciliar mostrou-se que em 89.6% dos domicílios, as pessoas obtiveram todos os medicamentos recomendados. No entanto, nos domicílios visitados em que foram utilizados medicamentos, 62.45% obtiveram estes medicamentos em farmácias privadas.8

Considerando a inexistência de reembolso efetivo para a aquisição de medicamentos pelos usuários e desigualdade na distribuição de renda no país esta informação torna-se relevante, principalmente se associada a outro indicador captado pelo estudo que foi a mensuração da capacidade de pagamento do tratamento de doenças comuns na atenção básica de saúde. Procurou-se medir os dias de remuneração em salários mínimos necessários para pagar os respectivos tratamentos e verificou-se que para pneumonia em adulto são necessários 3.1 dias, pneumonia da criança 3.6 dias e tratamento da asma moderada em crianças 6.2 dias.8

Verificou-se, ainda, uma grande variação de preço dos medicamentos no varejo em farmácias privadas, decorrentes da variabilidade de fabricantes e da concorrência entre estabelecimentos, com resultados de variação de preços de 79% para propranolol comprimidos, 78.1% para amoxicilina suspensão oral, até 94.4% para o captopril comprimido de 25 mg, entre outros.8

Com relação aos preços de aquisição de medicamentos pelos estados e municípios, observou-se também uma grande variabilidade na economia percentual, encontrando, por exemplo, valores de 96.7% para hidroclorotiazida comprimido de 25 mg, 96.4% para o sulfametoxazol+trimeoprima 400 + 80 mg, 92.7% para a glibenclamida comprimido de 5 mg e, 80.8% para o captopril comprimido de 25 mg. O percentual de economia corresponde á economia entre o menor e o maior preço de cada produto encontrados em todas as unidades, representado pelo inverso da razão dos preços.8

Cabe ressaltar que a publicação em 1999 da Lei 9.78716 que propiciou mecanismos para incentivar a comercialização e produção de medicamentos genéricos, representou uma possibilidade de melhoramento do acesso a medicamentos essenciais.

Entre os indicadores de qualidade, o estudo verificou aspectos básicos e essenciais quanto à qualidade da estrutura que tinham conseqüências diretas na qualidade dos medicamentos armazenados. As condições de estocagem das unidades de saúde foram variáveis. Em uma escala de zero a cem, o resultado do grau de atendimento das boas práticas de estocagem foi de 61.4 pontos para as CAFs municipais e de 56 pontos para as CAFs estaduais. Nenhuma unidade privada ou CAFs estaduais e municipais apresentou medicamentos vencidos, e apenas 0.3% das unidades de saúde apresentou algum medicamento vencido, resultado considerado satisfatório. Porém, com relação à existência de registros de movimentação de estoques apenas 61% das CAFs estaduais, 32% das CAFs municipais e 32% das unidades de saúde apresentavam.8 A falta destes registros compromete, de forma significativa, a qualidade das etapas de seleção, programação, aquisição e por conseguinte o acesso a medicamentos essenciais.

Os indicadores da OMS para medir uso racional de medicamentos apresentaram valores médios aceitáveis, com exceções como a racionalidade da prescrição para doenças traçadoras. Foram observados alguns desvios potenciais quanto á conduta terapêutica para doenças traçadoras como a diarréia e pneumonia. No caso da diarréia, houve 78.4% de indicação de terapia de rehidratação oral e 30.3% de indicação de antibióticos.8

A análise de entrevistas de 832 usuários á saída das farmácias de unidades públicas de saúde pode evidenciar que o número médio de medicamentos por prescrição foi de 2.3; 78.3% dos medicamentos prescritos faziam parte da RENAME e 84.2% deste foram prescritos pelo nome genérico. Nas visitas a 916 domicílios ao serem perguntados pelo que fazem quando sentem algum sinal ou sintoma que pudesse significar algum problema de saúde, somente em 3.5% dos domicílios, os indivíduos não tomam nenhuma atitude. Daqueles que buscavam algum tipo de fonte de consulta, em 79.7% dos domicílios foi procurada a indicação de leigos, incluindo a decisão de automedicar-se, citada por 27.1% dos entrevistados; 95.2% declararam ter sido recomendada a utilização de medicamentos e 47.6% afirmaram ter obtido receita de médico ou dentista, destes 89.6% obtiveram seus medicamentos e 88% utilizaram todos eles.8

Fato a ser destacado em 2006 foi a publicação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS, seguindo recomendação da Política Nacional de Medicamentos publicada em 1998, que já previa em suas diretrizes o desenvolvimento tecnológico e a expansão e apoio às pesquisas que visassem ao aproveitamento do potencial terapêutico da flora e fauna nacionais, enfatizando a certificação de sua propriedades medicamentosas. A proposta contemplou inicialmente as áreas de plantas medicinais e fitoterapia, homeopatia, medicina tradicional chinesa/acumpuntura e medicina antroposófica. Posteriormente, foi publicada a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos na forma de Decreto Presidencial n. 5813 em 22 de junho de 2006.17

O objetivo dessa política é “garantir, à população brasileira, o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional.”17 Entre as diretrizes que constam no documento estão:

- Elaboração de uma relação nacional de plantas medicinais e da relação nacional de fitoterápicos;

- Promoção do acesso e uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos aos usuários do SUS;

- Formação e educação continuada dos profissionais de saúde em plantas medicinais e fitoterápicos;

- Incentivo à pesquisa e desenvolvimento priorizando a biodiversidade do país;

- Garantia de monitoramento da qualidade dos fitoterápicos pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária;

- Estabelecimento de política de financiamento para o desenvolvimento das ações. 18


Desafios e considerações finais

Inicialmente, é importante considerar que o medicamento não é um bem qualquer; é um bem público. Um bem cuja falta pode causar a morte, sofrimento ou incapacitação, conseqüências muitas vezes irreversíveis. Portanto, a saúde pode ser significativamente prejudicada pela falta dos medicamentos ou dos serviços relacionados, necessários ao tratamento de doenças cuja terapia se beneficia de intervenção medicamentosa.

O programa brasileiro de tratamento de AIDS, que se sustenta, entre outros pilares, na distribuição gratuita de medicamentos essenciais, dos quais a maioria é produzida em laboratórios públicos, forneceu um modelo de sucesso reconhecido internacionalmente. Demonstrou a grande capacidade do País em resolver problemas sanitários quando há vontade política. No entanto, o mesmo não ocorre com os medicamentos utilizados para tratar outras doenças prevalentes na população, cujo acesso representa um limitador da resolutividade das ações do sistema de saúde.

Um aspecto relevante relacionado ao acesso é a questão do preço de medicamentos, principalmente nos países em desenvolvimento onde a desigualdade social e econômica é muito acentuada. Para superar o obstáculo do preço identificam-se alguns desafios principais como: desenvolvimento de todos os processos envolvidos na cadeia produtiva de medicamentos, implementação das diretrizes da Política Nacional de Assistência Farmacêutica relativas ao acesso e implementação de uma política eficiente de controle de preços.

É importante incentivar o desenvolvimento de toda a cadeia produtiva de medicamentos para que o Brasil passe a desempenhar um papel que vá além da produção, promoção publicitária e consumo de especialidades farmacêuticas. Para tanto, seria necessário diminuir a profunda relação de dependência externa, em especial, no tocante à produção de matéria prima e pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos de interesse nacional. O fortalecimento das indústrias nacionais e dos laboratórios oficiais incluindo a transferência tecnológica é uma estratégia de suma relevância para favorecer a competitividade de mercado.

Neste tópico, cabe ressaltar que recursos da União devem ser disponibilizados para modernizar e ampliar a rede de laboratórios oficiais, contribuindo assim para aumentar a produção nacional de medicamentos, bem como para fomentar a pesquisa e o desenvolvimento de novos fármacos, aumentando o poder regulatório do governo sobre os preços de mercado para estes produtos.

A implementação das diretrizes da Política Nacional de Assistência Farmacêutica por meio de ações que visem garantir um preço acessível aos medicamentos essenciais e serviços relacionados se constitui em condição imprescindível para promover o acesso. Neste contexto, trabalhar a estratégia de incentivo a produção e comercialização de medicamentos genéricos e de fitoterápicos pode contribuir para a efetividade das ações de assistência farmacêutica.

Para uma população em que o sistema púbico e as operadoras de saúde não conseguem satisfazer a demanda por medicamentos e a maioria dos preços destes produtos está além do poder aquisitivo da população, o custo se constitui em um grande obstáculo. Neste sentido, a implementação de uma política eficiente de controle de preços se faz necessária. A experiência brasileira de liberação de preços a partir de 1992 culminou com aumento excessivo de preços mostrando que o mercado não se auto-regulou. Diante do cenário de aumento de preços instalado, a agência reguladora brasileira retomou o controle de preços no ano de 2001 e apesar dos esforços envidados, os preços dos medicamentos ainda se encontram em desconformidade com a renda média dos brasileiros.

Enfocando o acesso, cabe ressaltar que a qualidade da gestão em saúde é imprescindível para obter um sistema de abastecimento confiável. Assim a assistência farmacêutica deve ser identificada como um sistema cujas ações devem ser planejadas e executadas de forma integrada em conformidade com critérios técnicos e éticos. Para a execução das ações são necessários recursos humanos qualificados e em número suficiente. No setor público, para que as diretrizes das políticas nacionais, que preconizam a descentralização das ações de saúde para Estados e Município, possam ser efetivadas com sucesso é imprescindível que se promova a imediata qualificação dos profissionais envolvidos com a gestão da assistência farmacêutica nos estados e municípios.

No setor privado, a definição de critérios populacionais ou geográficos para abertura de farmácias precisa ser encarada como item importante, assim como a qualificação do atendimento, a remuneração dos trabalhadores e a regulamentação da comercialização dos produtos que apresentam riscos para a saúde. As farmácias comunitárias devem ser reconhecidas e tratadas como estabelecimentos de saúde e não apenas como estabelecimentos comerciais.

Os serviços, públicos e privados, devem contar com estrutura física adequada para o armazenamento, transporte e dispensação de medicamentos, que favoreçam a prática da orientação e da atenção farmacêutica, que ainda não fazem parte da rotina dos serviços de saúde no Brasil. A humanização do atendimento é outra necessidade e deve se sustentar na qualificação dos servidores, na remuneração justa, em condições adequadas de trabalho e no acesso a recursos tecnológicos e a insumos de qualidade.

O reconhecimento dessas necessidades ainda não foi traduzido em ações efetivas e generalizadas, o que se reflete na precariedade destes serviços. Assim como ocorreu com o Programa de Farmácia Popular, no qual a qualidade da estrutura física, dos recursos humanos e dos produtos e serviços se constituíram em uma preocupação, o mesmo deveria acontecer no âmbito das unidades de saúde do SUS.

Neste contexto o desenvolvimento de ações de promoção do uso racional dirigidas aos profissionais de saúde e aos usuários de medicamentos, se constitui em estratégia fundamental. A assistência farmacêutica deve enfocar não apenas a doença e seu tratamento medicamentoso, pois, enquanto os medicamentos representarem elemento central das expectativas dos pacientes em saúde e das práticas profissionais será difícil promover acesso integral e uso racional. O atendimento integral, significa que os profissionais dessa área devem possuir uma visão universal e humanista do seu paciente e o próprio sistema deve ser capaz de atendê-lo satisfatoriamente.

Um dos obstáculos para o uso racional de medicamentos no País é a prática freqüente da automedicação, bem como a cultura de que a cura só é obtida mediante tratamento farmacológico. Estas práticas, claramente, oneram o sistema de saúde demandando um esforço educativo conjunto, envolvendo profissionais de saúde e a educação continuada de consumidores. Paralelamente, é preciso fazer cumprir os regulamentos para a promoção e publicidade de medicamentos que influenciam os hábitos de consumo e de prescrição.

A formação acadêmica dos profissionais de saúde deve contemplar o desenvolvimento de habilidades e competências que lhe permitam de forma responsável, orientar o uso racional, envolvendo a prescrição, administração e dispensação de medicamentos. O farmacêutico deve ser capaz de atuar na gestão de todas as etapas do ciclo logístico do medicamento, incluindo a avaliação do receituário, a identificando interações medicamentosas, o uso adequado, reações adversas, condições essenciais para a orientação satisfatória do usuário.

Em conseqüência, a assistência farmacêutica deve ser pensada em um contexto que envolva a promoção da saúde. Promover saúde é tocar nas diferentes dimensões humanas, criando ambiente favorável para reflexão sobre os fatores promotores de saúde. Envolve também o enfrentamento dos obstáculos pelos diversos setores da sociedade.
Bibliografía del artículo
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