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IL-10 NA GESTAÇÃO INIBE A REPLICAÇÃO DO HIV-1
(especial para SIIC © Derechos reservados)
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Autor:
Cleonice Alves de Melo Bento
Columnista Experto de SIIC

Institución:
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Artículos publicados por Cleonice Alves de Melo Bento 
Coautores Patrícia Gomes de Lima* Joana Hygino** Agostinho Alves de Lima e Silva*** Carmen Soares de Meirelles Saramago**** Renato Geraldo da Silva Filho***** Regis Mariano de Andrade****** 
Nutricionista, Rio de Janeiro, Brasil*
Biomédica, Rio de Janeiro, Brasil**
Doutor em Microbiologia, Rio de Janeiro, Brasil***
Doutora em Microbiologia, Rio de Janeiro, Brasil****
Mestre em Microbiologia, Rio de Janeiro, Brasil*****
Infectologia, Rio de Janeiro, Brasil******


Recepción del artículo: 8 de mayo, 2007
Aprobación: 17 de julio, 2007
Conclusión breve
Nosso estudo revela que a IL-10, uma citocina antiinflamatória produzida durante a gestação, reduz a replicação do HIV-1 em cultura de linfócitos T de gestantes infectadas e que esse evento parece ser amplificado pelo tratamento materno com terapia anti-retroviral.

Resumen

Desde o início da epidemia da infecção pelo HIV, o número de mulheres adultas jovens infectadas vem aumentando consideravelmente, fato esse que tem grande impacto na transmissão vertical do vírus. Nesse sentido, poucos trabalhos têm avaliado o impacto das citocinas maternas sobre a dinâmica da replicação viral durante a gestação. Estudos recentes desenvolvidos pelo nosso grupo demonstraram uma relação inversa entre a carga viral plasmática e a capacidade de gestantes infectadas pelo HIV-1 em produzir IL-10. Adicionalmente, a neutralização desta citocina aumentou a capacidade replicativa do vírus em culturas de células contendo linfócitos T ativados. O estudo aqui reportado teve como objetivo investigar os eventos moleculares relacionados à ação anti-HIV-1 da IL-10 e o impacto da terapia anti-retroviral sobre este fenômeno. Nossos resultados demonstram que a capacidade da IL-10 em reduzir o número de cópias do HIV-1 em culturas deve estar relacionada à habilidade desta citocina em reduzir a secreção de IL-1 e TNF-α, ambas envolvidas em favorecer a replicação do vírus in vitro. Interessantemente, o tratamento anti-retroviral das gestantes elevou a produção sistêmica da IL-10. Esses resultados sugerem que a IL-10 produzida por gestantes infectadas pelo HIV-1 reduz a replicação do vírus, e que esse efeito parece ser potencializado pelo tratamento anti-retroviral materno.

Palabras clave
gestação e infecção pelo HIV, IL-10 e HIV, citocinas inflamatórias e HIV, terapia anti-retroviral e citocinas, AZT e citocinas, NVP e citocinas

Clasificación en siicsalud
Artículos originales> Expertos del Mundo>
página www.siicsalud.com/des/expertos.php/90286

Especialidades
Principal: Infectología
Relacionadas: BioquímicaInmunologíaMedicina FarmacéuticaMedicina InternaObstetricia y Ginecología

Enviar correspondencia a:
Cleonice Alves de Melo Bento, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), 2229 0240, Rio de Janeiro, Brasil


IL-10 Produced by HIV-1-Infected Pregnant Women Reduces Viral Replication: Effect Enhanced by Anti-Retroviral Therapy

Abstract
Since the beginning of the HIV infection epidemic, the number of infected young women has increased considerably bringing important consequences to the vertical transmission of the virus. In this context, few studies have evaluated the impact of maternal cytokines on viral replication during pregnancy. Recent studies performed by our group have demonstrated an inverse relation between the plasma viral load and the ability of HIV-1-infected pregnant women to produce IL-10. Additionally, the neutralization of this cytokine enhanced the viral fitness in cultures containing activated T lymphocytes. The study reported here, aimed to investigate the molecular events involved in the anti-HIV-1 action of IL-10 and the impact of anti-retroviral therapy on this phenomenon. Our results suggest that the effect of IL-10 in reducing the number of HIV-1 copies in cultures must be related to the ability of this cytokine to inhibit the production of IL-1 and TNF- , which are known to enhance viral replication in vitro. Interestingly, the anti-retroviral treatment of pregnant women elevated the systemic production of IL-10. These results suggest that the IL-10 produced by HIV-1-infected pregnant women reduces viral replication, and that that effect is increased by the anti-retroviral treatment.


Key words
pregnancy and HIV infection, IL-10 and HIV, inflammatory cytokines and HIV, anti-retroviral therapy and cytokines, AZT and cytokines, NVP and cytokines


IL-10 NA GESTAÇÃO INIBE A REPLICAÇÃO DO HIV-1

(especial para SIIC © Derechos reservados)
Artículo completo
Introdução

Há mais de duas décadas a síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), vem desafiando a ciência, destacando-se como um dos problemas principais de saúde pública mundial.1 Nesse sentido, desde o início da epidemia, o número de mulheres jovens adultas infectadas vem aumentando consideravelmente nos últimos tempos, fato esse que tem importância fundamental na transmissão materno-fetal do vírus.

Até a presente data não há evidências de que a gravidez afete o curso da infecção pelo HIV-1,2 entretanto, o impacto dessa infecção sobre a rede de citocinas maternas tem sido pouco investigado. Sabe-se, por exemplo, que em adultos a infecção crônica pelo HIV-1 está relacionada à ativação do sistema imune com produção elevada de citocinas inflamatórias.3,4 Muitos dos distúrbios imunes no paciente infectado têm sido atribuídos à produção crônica desses mediadores inflamatórios.4 A produção sustentada dessas citocinas é garantida não apenas pela resposta mediada pelos linfócitos T CD8+ contra antígenos do vírus, como também por uma ativação inespecífica do sistema imune induzida por vários produtos do HIV-1.3-5 Estudos mostram, por exemplo, que a proteína viral Nef induz macrófagos a secretar quimiocinas e um conjunto de citocinas inflamatórias (IL-1α, IL-1β, IL-12, TNF-α) que favorecem o recrutamento e ativação de células T CD4+ em repouso migrantes para o local da infecção,6,7 onde esses linfócitos tornam-se mais suscetíveis à infecção viral ou à morte por exaustão clonal (deleção por ativação crônica).3 Esses eventos podem estar relacionados à elevação transitória da viremia plasmática e à queda imune funcional, ambas observadas após eventos naturais que ativam o sistema de defesa do paciente infectado, tais como, infecções recorrentes ou imunizações com várias vacinas.4,8,9

Em contrapartida, a gestação é uma condição fisiológica com mudanças imuno-endócrinas implicadas na aceitação do feto, através da regulação negativa de eventos inflamatórios maternos.10-12 Fortes evidências apontam para uma rede de citocinas antiinflamatórias produzidas por clones de células T maternas como sendo central na imunomodulação.10-15

Durante a gestação, o sistema imune materno é desafiado com moléculas de HLA paternas que atingem o seu sangue periférico.16-18 A sensibilização materna contra tais antígenos é orientada pelos linfócitos Th1 que secretam grandes quantidades de interleucina-2 (IL-2) e interferon-γ (IFN-γ). Estes linfócitos, por sua vez, auxiliam na ativação das células T CD8+ dirigidos contra células fetais expressando moléculas de HLA paternas. Estas células T CD8+ sensibilizadas, conhecidas como linfócitos T citotóxicos, além de danificarem diretamente os anexos fetais, amplificam a resposta local por perpetuar a secreção de citocinas inflamatórias, tais como o fator α de necrose tumoral (TNF-α), interleucina-1β (IL-1β) e IFN-γ. Estas citocinas aumentam o poder microbicida dos macrófagos e das células NK uterinas,16-18 e quando produzidas em excesso, estão envolvidas em infartos placentários e descolamento prematuro da placenta, ambos determinantes de sofrimento fetal e elevado risco de óbito perinatal.11,19 Entretanto, para evitar a produção exacerbada de citocinas embriotóxicas, a mãe deve sofrer, por um tempo determinado, mudanças fisiológicas necessárias para dar suporte à gestação. Neste sentido, o cortisol, o estrogênio e principalmente a progesterona são responsáveis pela geração de uma rede de citocinas antiinflamatórias, tais como, a interleucina-10 (IL-10) e o fator β de crescimento transformante (TGF-β), que dará suporte ao desenvolvimento fetal na cavidade uterina.11,13-15,20,21

A progesterona e o estrogênio, além de atuarem no trofoblasto, fazendo-o secretar IL-10 e TGF-β,11,13,19,20,22 estão também envolvidos na tolerância a antígenos fetais, por induzirem linfócitos T deciduais e periféricos maternos a se diferenciarem em células T reguladoras do tipo 1 e 3,22-24 as quais secretam grandes quantidades de IL-10 e TGF-β, respectivamente. A presença dessas citocinas antagoniza as ações deletérias das células Th1 e T CD8+ ativadas por bloquear a produção de TNF-α e IFN-γ.11,13,19,20,21,25

A partir dos dados supracitados, podemos concluir que a imunopatogênese da infecção pelo HIV-1 e a gestação constituem eventos situados em pólos opostos na resposta imune. Ressalta-se, adicionalmente, que em gestantes infectadas pelo HIV-1 o impacto dos eventos imunes sobre a dinâmica da replicação viral, aliado ao risco de transmissão vertical, são fatores que têm sido pouco explorados.

Nesse sentido, resultados preliminares obtidos pelo nosso grupo revelaram que a produção de IL-10 em gestantes infectadas é superior em pacientes com carga viral controlada.26 Ademais, a neutralização funcional da IL-10 em cultura de linfócitos T ativados elevou, significativamente, a replicação viral in vitro neste grupo de gestantes.26

Nesse contexto, nosso próximo objetivo foi investigar os eventos moleculares relacionados à ação anti-HIV da IL-10 e o impacto do tratamento anti-retroviral sobre essa imunomodulação em um número maior de gestantes.


Metodologia

Pacientes

Foi realizado um estudo transversal com gestantes infectadas pelo HIV-1 (n = 40; 18 a 37 anos de idade) acompanhadas no serviço de Obstetrícia do Hospital Universitário Graffrée Guinle (HUGG/UNIRIO) submetidas (33/40) ou não (7/40) ao tratamento anti-retroviral. Visando avaliar o impacto da produção de citocinas maternas sobre a replicação viral, as gestantes foram divididas em dois grupos: as pacientes que controlam (grupo G1) ou não (grupo G2) a carga viral plasmática (CVP). As gestantes que apresentassem co-morbidades, como outras doenças sexualmente transmissíveis, foram excluídas. Todos os experimentos, aprovados pelo Comitê de Ética do HUGG, foram realizados de acordo com os padrões éticos de experimentação em seres humanos da Declaração de Helsinque. Todas as amostras de sangue periférico das mães e do cordão umbilical de seus filhos foram colhidas após cada gestante ter lido e assinado o consentimento livre e esclarecido.


Amostras clínicas e obtenção de células mononucleares do sangue periférico

Para o nosso estudo, 20 ml de sangue periférico materno foram colhidos 24 a 48 horas antes do parto Cesário, e as células mononucleares do sangue periférico (PBMC) foram obtidas como descrito em Baseler e colaboradores.27 Neste procedimento, o sangue total diluído (1:2) em solução salina foi colocado em tubos estéreis contendo solução de Ficoll-Hypaque (d = 1.007 g/l) (Pharmigem) e submetidos a uma centrifugação a 2 500 rpm/25ºC. Após 25 minutos, os tubos foram removidos e as PBMC recuperadas com uso de pipetas Pasteur estéreis, na interface entre a salina e a solução de Ficoll. As PBMC purificadas foram lavadas 3 vezes com meio RPMI 1640, contadas em solução de azul de trypan a 4% (v/v), e a concentração de células viáveis foi ajustada para 1,5 x 106 /ml, utilizando meio RPMI completo contendo 50 U/ml de penicilina, 50 g/ml de estreptomicina, 2 mM de L-glutamina e 10 mM de tampão HEPES. Para enriquecê-lo, adicionamos soro fetal bovino previamente inativado pelo calor (56ºC/45 minutos) a 10% (v/v).

Aproximadamente 1.5 x 106/ml de PBMC obtidas dos grupos G1 (n = 27) e G2 (n = 13) foram ativadas com anticorpo anti-CD3 (1 μg/ml) mais interleucina-2 recombinante humana (IL-2) (Sigma, Co), a 20 U/ml, e incubadas por 3 ou 7 dias para dosagem de IL-10 ou da replicação viral, respectivamente. As células foram mantidas em placas de 96 poços (200 μl) de fundo redondo, deixadas em atmosfera úmida a 37ºC, e acompanhadas diariamente ao microscópio invertido.


Medida da carga viral plasmática e da replicação viral cultura de células

Para avaliar a carga viral plasmática (CVP), 1 ml do plasma das amostras obtidas foi submetido a amplificação de seqüência de ácido nucléico (NASBA, Oganon, Holland), com limite de detecção de 80 cópias de RNA do HIV-1/ml. Em alguns experimentos, a quantificação da replicação viral em culturas de PBMC de gestantes dos grupos G1 e G2 ativadas com anti-CD3 (1 μg/ml) mais IL-2 (20 U/ml) foi avaliada na presença de anticorpos anti-IL-10 ou do isotipo controle IgG2a a 22 ?g/ml (Becton-Dickinson, CA, USA). Para avaliar a replicação, 100 μl do sobrenadante destas culturas foram recolhidos após 7 dias após, e levados para quantificação da carga viral, = como descrito acima.


Dosagem de citocinas

Para quantificar as citocinas definidoras de diferentes fenótipos Th (TNF-α, IFN-&gamma,, IL-10 e IL-4), amostras dos plasmas e dos sobrenadantes das culturas de PBMC ativadas obtidas de gestantes dos grupos G1 e G2 foram submetidas à contagem de citocinas através de Kits de ELISA OptEIA (BD, Pharmigen, San Diego), de acordo com o protocolo do fabricante. Resumidamente, cada ELISA foi realizado usando pares de anticorpos anti-IL-1β, anti-IL-10, anti-IL-4, anti-TNF e anti-IFN-γ, e a reação foi revelada com estreptoavidina-peroxidase, usando 3,3';5,5'-tetrametilbenzidina (TMB) como substrato. Para construção das curvas padrão foram utilizadas citocinas humanas recombinantes (IL-1β, IL-10, IL-4, TNF-α e IFN-γ) com doses variando de 10-500 pg/ml.


Análise estatística

Para análise estatística da significância das diferenças entre as médias e os desvios-padrão dos valores obtidos entre os grupos G1 e G2 de gestantes infectadas, utilizamos o teste t pareado de Student. As diferenças foram consideradas estatisticamente significantes quando p < 0.05.


Resultados

Para o nosso estudo sobre o impacto de citocinas maternas na replicação viral, foram analisadas 40 amostras de sangue periférico de gestantes infectadas pelo HIV-1. Como pode ser observado na Tabela 1, das 40 gestantes recrutadas, 27 pacientes tinham cargas virais plasmáticas (CVP) indetectáveis (< 80 cópias de RNA do HIV-1/ml; grupo G1) contra 13 gestantes com diferentes níveis de replicação viral (300-160 000 cópias de RNA do HIV-1/ml; grupo G2). Aproximadamente 75% das gestantes (20/27) com CVP indetectável e 40 % das gestantes do grupo G2 (4/13) estavam sendo tratadas com zidovudina (AZT) mais nevirapina (NVP), que foi introduzida entre 34 a 37 semanas de gestação. Quanto aos parâmetros imunes, apesar de não termos amostras com valores de células T CD4+ periféricas inferiores a 200/mm3, a Tabela 1 revela níveis significativamente maiores desses linfócitos nas amostras das gestantes do grupo G1 (CVP indectável). Como esperado, nenhuma das gestantes do grupo G1 infectou seus filhos. No grupo G2, no entanto, 30% das crianças expostas foram infectadas (4/13), como confirmado pela técnica de PCR-DNA pró-viral em células dos neonatos (dado não demonstrado). Das 4 crianças contaminadas, 1 tinha nascido de mãe tratada e 3 de mães sem cobertura terapêutica com os anti-retrovirais (dados não demonstrado).







A primeira etapa de nossa investigação laboratorial foi submeter os plasmas das amostras colhidas à quantificação de citocinas inflamatórias (IL-1β, TNF-α e IFN-γ) e antiinflamatórias (IL-4 e IL-10) periféricas. Como podemos observar na Figura 1, quando comparado às dosagens realizadas no plasma de mulheres grávidas com CVP indetectável (grupo G1), níveis superiores de citocinas inflamatórias foram observados na maioria das amostras obtidas das gestantes do grupo G2. O fenômeno inverso foi observado quanto à dosagem de IL-10, isto é, níveis significativamente superiores foram detectados no sangue periférico de gestantes do grupo G1.







Nosso próximo passo foi avaliar a relação entre a produção de IL-10 e a capacidade replicativa do HIV-1 in vitro a partir das amostras obtidas das gestantes do grupo G1. Para tanto, culturas de células T policlonalmente ativadas com anticorpos anti-CD3 mais IL-2, que são potentes ativadores policlonais de células T e aumentam a replicação viral em células TCD4+ infectadas pelo HIV-1,26 foram tratadas com doses saturantes de anticorpo monoclonal anti-IL-10 (22 μg/ml) e a produção de citocinas inflamatórias detectadas 3 dias após. Como podemos observar na Figura 2, a neutralização funcional da IL-10 em culturas aumentou significativamente a replicação do HIV-1 em amostras obtidas das gestantes do grupo G1.







Nosso próximo passo foi estudar o mecanismo pelo qual a IL-10 exerce um efeito anti-HIV-1. Como podemos observar na Figura 3, o bloqueio funcional da IL-10 elevou de forma significativa a produção celular de IL-1β e TNF-α em culturas de linfócitos T policlonalmente ativados. Esses resultados sugerem, portanto, que provavelmente a IL-10 exerce sua função anti-HIV-1 através de sua função anti-inflamatória.







A terapia anti-retroviral (TARV) tem como objetivo controlar a replicação do HIV-1 e reconstituir o quanto possível a imunidade do indivíduo infectado.28 Nesse contexto, nosso último passo do trabalho foi investigar o impacto da TARV na produção da IL-10 detectada em gestantes infectadas que controlam ou não a carga viral plasmática (CVP). Como podemos observar na Figura 4A, níveis superiores de IL-10 foram dosados no soro das gestantes do grupo G1 e G2 submetidas à ATRV. A despeito de nossa pequena amostra, a análise estatística revelou uma diferença significativa, ou seja, no grupo G2, a maioria das pacientes submetidas à TARV (5/6) apresentou cargas virais plasmáticas < 10 000 cópias de RNA/ml, quando comparada às gestantes não tratadas (1/7).







A IL-10 é uma citocina produzida por tipos celulares diferentes durante uma resposta imune25 e uma investigação sobre um provável efeito imunomodulador da TARV na produção desta citocina foi investigada pelo nosso grupo. Como demonstrado na Figura 4B, e diferente do que foi observado no soro, nenhuma diferença significativa na secreção de IL-10 induzida pelo anti-CD3 e IL-2 em culturas de células T de gestantes do grupo G1 TARV (+) e TARV (-) foi detectada. Apesar de não controlarem eficazmente a carga viral plasmática, a produção de IL-10 in vitro em pacientes do grupo G2 foi superior nas culturas de células obtidas das gestantes TARV (+), quando comparada às TARV (-). Esses resultados sugerem que mesmo sem obter um controle total da carga viral plasmática, a introdução de anti-retrovirais deve favorecer diretamente ou indiretamente a produção de IL-10.


Discussão

Resultados anteriores obtidos pelo nosso grupo em um número menor de gestantes infectadas pelo HIV-1,26 e agora confirmado em uma coorte maior, sugerem que a IL-10 exerce uma ação inibitória sobre a replicação do HIV-1. Estudos realizados por Watts e colaboradores29 revelaram que apesar de não ser conhecido se as alterações hormonais nas quais as gestantes são condicionadas diminuem a replicação viral, um rebote da carga viral plasmática é um fenômeno relativamente comum no pós-parto. Essas observações, junto com os nossos dados, sugerem que eventos imunes maternos podem, de fato, contra-regular a capacidade replicativa do HIV-1 em gestantes contaminadas. A IL-10 é uma citocina produzida durante a gestação e tem sido implicada na indução de tolerância ao feto.12,13,15,18,22-24,26 Em nosso modelo, o efeito antagonista da IL-10 sobre o HIV-1 parece ser indireto, visto que a neutralização desta citocina em cultura elevou a produção de IL-1β e TNF-α, ambas descritas como citocinas que favorecem a replicação do HIV-1.4,5,8,9 No contexto da infecção pelo HIV, o perfil de citocinas em gestantes infectadas pode, portanto, impor uma barreira à replicação viral.

Em nosso modelo, o tratamento com anti-retrovirais aumentou a produção de IL-10 sistêmica. Em cultura, no entanto, esse fenômeno continuou a ser observado apenas nas amostras obtidas das gestantes do grupo G2. Acreditamos que uma ausência de diferença na secreção in vitro de IL-10 em gestantes do grupo G1, tratadas ou não com TARV, pode indicar que a produção em cultura foi saturada. Entretanto, isso não explicaria as diferenças observadas na secreção desta citocina no soro dessas pacientes. Uma provável explicação seria a existência de outra fonte celular responsável pelo incremento da produção sistêmica de IL-10 após tratamento terapêutico com os anti-retrovirais. Estudo realizado por Pornprasert e colaboaradores30 demonstrou que o AZT diminui a expressão de RNA mensageiro para TNF-α em culturas de células da placenta. Sabe-se que as citocinas IL-10 e TNF-α se contra-regulam, e uma ação farmacológica do AZT em inibir a secreção de TNF-α na placenta poderia, indiretamente, aumentar a secreção de IL-10 pelas células trofoblásticas, evento esse já descrito como normal durante a gestação.11-13 Nós ainda não sabemos se seria o AZT ou a NVP, ou ambos, os responsáveis pelo fenômeno observado sobre a produção de IL-10. Atualmente, essa pergunta está sob investigação em nosso laboratório. Se tais observações forem confirmadas em um número maior de gestantes, implicaria em incluir na lista de efeitos farmacológicos do AZT sua ação imunomoduladora em gestantes, desde que a IL-10 é um dos mediadores envolvidos na indução de células T maternas envolvidas na tolerância aos tecidos fetais.12,13,21

Apesar de animadores, esses resultados são confrontados com uma recente publicação pelo grupo de Fiore e colaboradores,31 onde a introdução de esquemas anti-retrovirais terapêuticos de alta eficácia, apesar de reduzirem dramaticamente o risco de infecção perinatal, aumentam os riscos de nascimentos prematuros. A partir de uma avaliação imune materna, os autores sugerem que esse evento seria conseqüência da potente ação das drogas em induzir uma reconstituição da resposta Th1 materna. Nossos achados e esses dados são interessantes, e interpõem uma ampla discussão quanto à escolha dos esquemas anti-retrovirais a serem empregados no tratamento deste grupo de pacientes.

A terapia anti-retroviral atual baseia-se no regime de combinação de drogas a partir de três classes diferentes: os inibidores da transcriptase reversa que são análogos aos nucleosídeos (ITRN; como por exemplo, o AZT), os inibidores da transcriptase reversa que não são análogos aos nucleosídeos (ITRNN; como por exemplo, a NVP) e os inibidores de protease (IP).28 O objetivo da TARV é de reduzir a carga viral plasmática e reconstituir, o quanto possível, a resposta imune celular do paciente infectado.28

Pelo consenso brasileiro, mulheres grávidas infectadas pelo HIV-1 devem iniciar o tratamento a partir de 14 semanas de gestação e mantê-lo até o final da mesma. Em todas as pacientes estudadas pelo nosso grupo o esquema anti-retroviral utilizado foi a dupla AZT/NVP. Esquemas potentes que incluam drogas representantes de todas as classes farmacológicas anti-retrovirais, apesar de serem uma excelente opção para resgatar a imunidade do indivíduo, no contexto da infecção pelo HIV-1 em gestantes, no entanto, essa escolha terapêutica pode elevar a produção de citocinas inflamatórias, o que favoreceria a quebra de tolerância dos linfócitos T maternos dirigidos contra antígenos fetais de origem paterna.

Apesar de preliminares, nossos resultados, assim como outros obtidos por outros grupos, sugerem que novos estudos com números maiores de gestantes sejam conduzidos para que a coletânea dos resultados possa ajudar a equipe médica a prescrever de forma mais racional as melhores opções de tratamento terapêutico da infecção pelo HIV-1 levando em consideração a saúde da mãe e de seu filho.
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