Nódulos na tiróide constituem um verdadeiro problema de Saúde
Pública tal a sua prevalência, particularmente em mulheres. Estima-se que 5 a 10% da população venha
a desenvolver um nódulo palpável durante a vida, de forma que, considerando-se que em áreas
previamente carentes de iodo a prevalência de bócio pode atingir mais da metade da população local, é
provável que tenhamos no Brasil uma população de cerca de 10 milhões de portadores de nódulos
tiroidianos (1). A maior disponibilidade da ultra-sonografia e de outros métodos diagnósticos tem
trazido aos serviços de saúde um crescente número de indivíduos aflitos pela possibilidade de portarem
um câncer. No entanto, a maior parte dos nódulos deve ser benigna já que o câncer de tiróide é
responsável por apenas 0.6% e 1.6% de todos os cânceres de homens e mulheres, respectivamente, nos
EUA (2,3). Mais ainda, o carcinoma diferenciado da tiróide. Felizmente, a maior parte dos casos são
precocemente diagnosticados e confirmados, graças à citologia facilmente obtida por uma simples
punção aspirativa com agulha fina, e a mortalidade pelo câncer diferenciado da tiróide é relativamente
baixa (4). Por outro lado, nem todos os casos de carcinomas diferenciados da tiróide têm prognóstico
tão bom. Um percentual não desprezível, de 7 a 20% dos pacientes, é tardiamente diagnosticado, evolui
mal e acaba contribuindo para as cerca de 1400 mortes anuais por câncer da tiróide previstas para os
EUA no ano de 2003 (4,5).
A identificação correta dos nódulos que merecem investigação laboratorial mais completa, uma
punção do nódulo e/ou cirurgia, é fundamental para o estabelecimento de estratégias que representem
a melhor relação de custo-benefício não apenas para o paciente, mas também para o Sistema de Saúde
do país, onde a alocação de recursos deve ser muito criteriosa.
Uma série de fatores clínicos e epidemiológicos, resumidos, respectivamente, nas Tabelas 1 e 2,
vem sendo utilizados na seleção dos pacientes de risco para câncer da tiróide. Nos últimos anos, a
biologia molecular vem proporcionando uma maior compreensão da etiopatogenia e dos fatores
envolvidos no risco ao câncer, trazendo assim novos métodos de rastreamento.
TABELA 1. Fatores epidemiológicos de risco para câncer de tiróide
- Radiação ionizante terapêutica ou acidental
- Predisposição familiar
- carcinoma papilífero familiar: raro, caracterização genética pobre
- polipose adenomatosa familiar: até 160 x risco mulheres < 35 anos
- doença de cowden
- neoplasia endócrina múltipla (nem)
- Ingesta de iodo
- déficit de iodo: maior risco de carcinoma folicular, > incidência de bmn
- suficiência de iodo: predomina o carcinoma papilífero
- Tiroidopatias pré-existentes
- adenoma folicular: predispõe ao carcinoma folicular
- doença de graves
- tiroidite crônica de hashimoto: linfoma tiroidiano
- Fatores hormonais e reprodutivos
- Fatores étnicos e geográficos
- Dieta e drogas
TABELA 2. Fatores clínicos relacionados a malignidade no nódulo de
tiróide
- História
- irradiação externa
- história familiar de câncer de tiróide
- 20 anos < idade> 60 anos
- sexo masculino
- Características do nódulo
- de tamanho, principalmente durante terapia supressiva
- duro, firme, superfície irregular
- Outros sintomas
- rouquidão, disfagia, paralisia de cordas vocais.
- gânglios cervicais
Compreendemos atualmente que a grande maioria dos cânceres do ser humano ocorre por uma
interação entre fatores ambientais como fumaça de cigarro, alimentos e bebidas, poluição urbana e
industrial, etc e a bagagem genética de cada indivíduo (6). Polimorfismos de genes que codificam
enzimas responsáveis pelo metabolismo de carcinógenos, como as do sistema da glutationa s-
transferase (GST), estão relacionados com desenvolvimento de vários tipos de câncer. Até o presente
momento, pelo menos 5 genes diferentes, mu, alfa, pi, teta e sigma, foram identificados como
causadores de alteração na atividade enzimática. Existem várias evidências de que a ausência de uma
ou mais de uma forma de GST ou variantes alélicas que expressam diferentes combinações de herança
étnica destas enzimas (polimorfismo hereditário) são mais susceptíveis de sofrer stress químico (6, 7).
Os genes GST mu 1 (GSTM1) e GST teta 1 (GSTT1) possuem uma
variante alélica nula nos quais o gene inteiro está ausente e, portanto, não existe codificação ou
produção da respectiva enzima. O gene GST pi 1 (GSTP1) possui um polimorfismo de
substituição do aminoácido I105V que resulta na produção de uma enzima variante com menor
atividade e capacidade de detoxificação.
Com a finalidade de avaliar a importância do perfil genotípico das GSTs na susceptibilidade ao
câncer da tiróide, estudamos inicialmente o perfil genotípico de 116 portadores de nódulos tiroidianos,
incluindo 49 casos benignos (38 bócios multinodulares e 11 adenomas foliculares) e 67 casos malignos
(50 carcinomas papilíferos e 17 foliculares). A população controle foi composta de 300 indivíduos
saudáveis da mesma região. Todos os indivíduos e pacientes foram cuidadosamente examinados e
interrogados quanto a hábitos alimentares, uso de drogas, cigarros, patologias presentes ou prévias, em
especial da tiróide, exposição a radiação ionizante, antecedentes familiares e fatores considerados de
risco para câncer em geral e da tiróide em particular. Comparamos o genótipo obtido através de
extração de DNA de sangue periférico com o do DNA extraído de 35 casos em que obtivemos o tumor
tiroidiano, sempre obtendo resultados idênticos. O método usado foi uma PCR triplex em que ambos os
genes, GSTT1 e GSTM1, tinham sua seqüências amplificadas juntamente com uma
seqüência do gene da ß-globina, controlando-se desta forma a qualidade do DNA extraído. A figura 1
mostra que a distribuição de genótipos é bastante semelhante entre os portadores de nódulos benignos,
malignos e a população controle exceto quando os 2 genes estão ausentes. Estes casos são muito mais
freqüentes entre os portadores de neoplasias malignas, de forma que a ausência dos 2 genes,
combinada, significa um risco 2,6 vezes maior para o desenvolvimento de câncer da tiróide (8).
Figura 1. Comparação entre os diferentes padrões de herança polimórfica para os alelos GSTT1
(T) e GSTM (M) representados como ausentes (-) ou presentes (+) em 300 indivíduos normais da população
de Campinas, 49 casos de bócio benigno e 67 casos de carcinomas malignos da tiróide.
Numa segunda fase desta investigação, aumentamos o número de tumores malignos para 98 casos,
incluindo 77 carcinomas papilíferos e 21 foliculares. Utilizamos ainda 44 nódulos benignos e uma
população controle de 157 indivíduos normais para genotipar as variantes alélicas do gene
GSTP1, cuja relação com o câncer de cabeça e pescoço é maior segundo a literatura (9). Para
tanto, lançamos mão de um método de rastreamento de mutações, a single strand conformation
polymorphism analysis (SSCP) cujos resultados foram confirmados pelo sequenciamento direto de
todas as amostras que apresentavam suspeita de alteração no padrão de corrida aletroforética. Os
resultados obtidos podem ser visualizados na Figura 2. Embora as variantes alélicas de GSTP1
não distingam bócio de câncer nem adenomas de carcinomas foliculares, os indivíduos com genótipo
variante, ajustado para sexo, idade, uso de tabaco e drogas, possuem uma chance de apresentarem
câncer 5.7 vezes maior do que a população controle em relação ao carcinoma papilífero e 8.2 vezes
maior do que a população controle para o carcinoma folicular (10).
Figura 2. Comparação entre os diferentes padrões de herança polimórfica para os alelos normais do gene
GSTP1 representados em barras abertas e para os alelos variantes de GSTP1 em barras quadriculadas
em indivíduos normais da população de Campinas, pacientes com bócio benigno e carcinomas papilíferos e
foliculares da tiróide.
Não houve associação entre o genótipo para qualquer GST e as características clínicas dos pacientes,
parâmetros da agressividade do tumor no diagnóstico ou comportamento durante o seguimento.
Também, não foi encontrada relação entre o perfil genotípico para GSTs e os fatores de risco para o
aparecimento de tumores da tiróide benignos e malignos que foram investigados, isto é, idade, sexo,
cor, história de patologia tiroidodiana prévia, uso de drogas ou medicamentos ou fumo. Assim, tal
perfil genotípico parece relacionar-se apenas ao risco do paciente adquirir um câncer da tiróide.
Como a susceptibilidade a carcinógenos químicos pode modificar o risco do câncer da tiróide?
Diversos produtos químicos causam neoplasia de tiróide em roedores por um efeito carcinogênico
direto, ativando os oncogenes, inativando os genes supressores tumorais e produzindo alterações
específicas na expressão e função dos genes envolvidos no crescimento celular, diferenciação e tempo
de vida da célula (11). Carcinógenos químicos também podem, através de uma variedade de
mecanismos, alterar a função da tiróide e produzir uma neoplasia secundária ao desequilíbrio hormonal
(11). No entanto, até o momento, o único fator reconhecidamente capaz de produzir tumores benignos
e malignos na tiróide humana, tanto do ponto de vista experimental quanto por evidências clinico-
epidemiológicas, é a radiação ionizante (2,3). Vários estudos epidemiológicos relacionaram a ingestão
de cereais refinados (12), vegetais crucíferos (13) alimentos marinhos (14), laticínios (15) com maior
risco de câncer da tiróide, mas outros não encontraram tal associação (16,17). Da mesma forma, a
exposição a carcinógenos ambientes e mesmo ao cigarro são fatores discutíveis na susceptibilidade ao
câncer da tiróide (13, 18). A ingestão de iodo está nitidamente relacionada à diminuição da prevalência
de carcinomas foliculares e parece se relacionar com discreto aumento nos carcinomas papilíferos, mas
ainda se discute o efeito de fatores ambientais no câncer da tiróide (18, 19).
Dados relativos ao perfil das GSTs em pacientes com patologias tiroidianas são escassos.
Conhecemos apenas o estudo de Hernandez et al, que não conseguiu demonstrar relação entre o perfil
das GTSs e a susceptibilidade a o câncer da tiróide em moradores de Barcelona, Espanha (20). Além
de possível influência do método menos sensível usado por Hernandez (restrição enzimática), podemos
aventar as diferenças étnicas de nossa população, exposição a diferentes fatores ambientais e hábitos
alimentares diferentes dos europeus como principais causas de tal diferença. Na verdade, acumulam-
se evidências de que as GSTs e suas variantes alélicas possuem afinidades específicas por diferentes
substratos (21-24). Assim, é possível que a herança de fatores de proteção contra fatores ambientais,
como as enzimas do sistema GST, faça parte dos fatores responsáveis pelas diferenças na incidência do
câncer da tiróide pelo mundo (14).
Nosso laboratório prossegue na investigação de outros genes codificadores de enzimas do
sistema GST, do citocromo P450 (CYP), do sistema n-acetil-transferase (Nat) e de outros sistemas de
metabolismo de xenobióticos. Acreditamos que o uso de perfis genéticos, juntamente com os clássicos
fatores clínicos e epidemiológicos de risco, poderá nos auxiliar na importante decisão de escolher, entre
os portadores de nódulos da tiróide, os indivíduos que possuem risco de desenvolver câncer.
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