Volumen 12, Número 1, Mayo 2005

 Expertos Invitados


QUESTIONARIO NORDICO DE SINTOMAS OSTEOMUSCULARES (QNSO) VALIDADE DO INSTRUMENTO COMO MEDIDA DE MORBIDADE

Dra. Fernanda Amaral Pinheiro Columnista Experta de SIIC
Dra. Fernanda Amaral Pinheiro

Doutora em Psicologia Social e do Trabalho

Tendo em vista o registro cada vez mais freqüente de distúrbios osteomusculares entre a população trabalhadora, estudos diversos vêm sendo desenvolvidos para investigar a contribuição de variáveis de ordem física, ergonômica e psicossocial para o seu desenvolvimento, quase sempre envolvendo análises da relação entre estas variáveis e a ocorrência de sintomas.11,15
O Nordic Musculoskeletal Questionnaire (NMQ)10 foi desenvolvido com a proposta de padronizar a mensuração de relato de sintomas osteomusculares e assim facilitar a comparação dos resultados entre os estudos. Os autores do questionário não o indicam como base para diagnóstico clínico, mas para a identificação de distúrbios osteomusculares e, como tal, pode se constituir em importante instrumento de diagnóstico do ambiente ou do posto de trabalho. Há três formas do NMQ: uma forma geral, compreendendo todas as áreas anatômicas, e outras duas específicas para as regiões lombar, e de pescoço e ombros. A forma geral do NMQ é a que está sendo apresentada neste estudo.
Estudos têm mostrado bons parâmetros psicométricos para o instrumento original.
Índices de confiabilidade teste-reteste investigada em três sub-amostras de trabalhadores mostraram um percentual de respostas não idênticas que variou entre 0 e 23%, enquanto que o coeficiente de correlação com a história clínica variou entre 0.80 e 1.00.10
Dickinson, Campion, Foster, Newman, O'Rourke e Thomas6 realizaram um estudo com o objetivo de avaliar o NMQ quanto à sua forma e conteúdo, bem como quanto ao tipo de aplicação. Dados de duas aplicações mostram que o percentual de respostas não idênticas variou entre 7% e 26% para a prevalência anual, de 0 a 8% para a incapacitação para o trabalho e de 6% a 19% para a prevalência semanal.
O questionário tem sido traduzido para diversos idiomas na última década, dando origem a muitos estudos empíricos.2,14 O instrumento consiste em escolhas múltiplas ou binárias quanto à ocorrência de sintomas nas diversas regiões anatômicas nas quais são mais comuns. O respondente deve relatar a ocorrência dos sintomas considerando os últimos doze meses e os últimos sete dias, bem como relatar a ocorrência de afastamentos das atividades rotineiras no último ano.
Apesar das limitações inerentes aos instrumentos de auto-avaliação, a simplicidade e os bons índices de confiabilidade do NMQ indicam-no para utilização em investigações epidemiológicas e estudos que busquem mensurar a incidência dos sintomas osteomusculares.2,14
Diante da inexistência de instrumentos de auto-preenchimento com bons índices de confiabilidade e fácil manejo e aplicação para a avaliação dos distúrbios osteomusculares no Brasil, um estudo foi desenvolvido com o objetivo de traduzir a versão geral do NMQ e avaliar a sua validade concorrente.
Este artigo apresenta uma síntese deste estudo, o qual foi publicado na Revista de Saúde Pública, vol. 36(3), 307-12. O resumo é acrescido de uma atualização da investigação, com vistas a informar sobre contribuições ao material original.

Metodologia

O NMQ foi traduzido do original para a língua portuguesa e aplicado a uma amostra de funcionários de um banco estatal, que exerciam funções distintas.
Incluiu-se uma seção ao instrumento para permitir a medida das variáveis demográficas (gênero, idade, peso, altura, número de dependentes menores, estado civil, preferência manual), ocupacionais (função, tempo de exercício da atividade, duração da jornada de trabalho), e hábitos e estilo de vida (tabagismo, exercício de atividade física, exercício de outra atividade profissional). A razão de se incluir estas variáveis na análise foi permitir que os resultados deste estudo pudessem ser comparados com os de outros que utilizaram o instrumento original como medida de morbidade, o que contribui para a investigação da validade de critério da escala traduzida.
Uma última questão, ao final do QNSO, buscou investigar a percepção do sujeito quanto à associação entre os sintomas e o exercício da atividade profissional, conforme sugestão de Dickinson et al.6 e o exemplo de Johansson.9
Finalmente, um índice de severidade de sintomas foi criado para cada região anatômica, variando entre 0 a 4, onde 0 representou a ausência de sintomas.
Índice 1 foi atribuído para quem relatou sintomas nos últimos 12 meses ou nos últimos 7 dias; índice 2 para relatos de sintomas nos últimos 12 meses e nos últimos 7 dias; índice 3, quando houve relato de sintomas nos últimos 7 dias ou nos últimos 12 meses e afastamento das atividades; índice 4 para os registros de sintomas nos últimos 12 meses e nos últimos 7 dias e afastamento das atividades.
As regiões de quadris/coxas, joelhos, tornozelos/pés foram combinadas em uma única região anatômica, denominada membros inferiores.
Cinqüenta e seis por cento dos participantes que compuseram a amostra eram do sexo masculino, com média de idade de 39 anos (desvio padrão = 6.1 anos), e tempo médio de exercício da atividade de 6 anos (desvio padrão = 5.2 anos). A grande maioria da amostra foi composta de indivíduos casados (80%), escriturários (35%) e não exercia outra atividade profissional (90%). Estes sujeitos não diferiram dos outros funcionários da empresa relativamente às suas características demográficas.
Os sujeitos foram orientados a se identificarem no questionário pelo número de matrícula, enquanto que médicos do trabalho, por ocasião do exame periódico, foram instruídos a não lerem os questionários e procederem normalmente à consulta, após a qual deveriam encaminhar os questionários, juntamente aos documentos gerados na ocasião (atestado de saúde ocupacional e avaliação clínica), à área de saúde da empresa para arquivamento.
Posteriormente, um outro médico do trabalho, sem o conhecimento das respostas ao questionário, investigou a história clínica e o diagnóstico dos sujeitos em seu prontuário arquivado na área de saúde da empresa, identificados apenas pelo número de matrícula. Os dados foram submetidos à análises estatísticas descritivas e à estatísticas de comparação entre grupos.

Resultados

Noventa sujeitos completaram o questionário e tiveram a sua história clínica avaliada num período de 30 dias. Houve concordância entre o registro no questionário e sinais ou sintomas de distúrbios osteomusculares verificados pelo médico na história clínica dos sujeitos em 86% dos casos.
No total de sujeitos pesquisados, 49% não exerciam qualquer atividade física, 84% apresentaram sintomas e 71% relataram ao menos um fator de risco não- ocupacional para as doenças osteomusculares. Quanto à relação percebida entre os sintomas e o trabalho realizado, 70% dos que relataram sintomas perceberam tal relação.
Observou-se uma divergência na distribuição das freqüências quando se comparam os sintomas nos últimos 12 meses, nos últimos 7 dias e os afastamentos. Houve concordância apenas na região dos ombros, como a mais citada região acometida por sintomas nos últimos 12 meses, nos últimos 7 dias e responsável pelo maior número de afastamentos das atividades rotineiras. O padrão que se segue é algo irregular, com as regiões cervical, dorsal, lombar e de punhos, mãos e dedos revezando-se em segundo, terceiro ou quarto lugar em termos de freqüência.
Análises de correlação entre as freqüências de sintomas e afastamentos para cada região foram também computadas. O padrão de correlações entre as variáveis diferiu para homens e mulheres, nas diferentes regiões anatômicas.
Sintomas em região cervical nos últimos sete dias pareceram mais efêmeros para mulheres, e não se mostraram correlacionados a sintomas nos últimos 12 meses ou a afastamentos das atividades diárias. Para os homens, a associação foi significativa e moderada nas três situações, apesar de o Teste t de comparação de médias mostrar que a severidade de sintomas na região cervical foi maior entre as mulheres.
As demais variáveis demográficas/individuais não mostraram diferenças significativas quanto a distribuição de sintomas, exceto quando se comparou os grupos ocupacionais de gerentes e escriturários. Os últimos mostraram maior severidade de sintomas na região lombar do que os primeiros (1.57 e 0.72 respectivamente; p = 0.04).
Dentre as variáveis relativas a hábitos, as pessoas que praticavam exercícios físicos mostraram sistematicamente níveis de severidade de sintomas menores do que aquelas que não os realizavam. As diferenças foram significativas para as regiões dos ombros (0.83 e 1.48 respectivamente; p = 0.02), antebraço (0.41 e 0.97 respectivamente, p = 0.03) e mãos (0.37 e 1.00 respectivamente, p = 0.005).
Indivíduos que perceberam relação entre morbidade e atividade realizada, comparativamente aqueles que não perceberam tal relação, relataram mais sintomas em antebraços (1.01 e 0.30 respectivamente, p = 0.03), em cotovelos (0.61 e 0.07 respectivamente, p = 0.004) e na região de ombros (0.76 e 1.62 respectivamente, p = 0.04).
Sintomas em região de cotovelos pareceram mais persistentes em mulheres do que em homens, reportando maiores correlações nas três situações. Sintomas em região lombar mostraram padrões semelhantes para homens e mulheres, embora tenham mostrado menor associação com afastamento entre os homens.
As maiores correlações entre sintomas relatados nos últimos 7 dias e afastamentos foram observadas para as regiões de antebraços, cotovelos, punhos/mãos e ombros, entre as mulheres, e em punhos/mãos entre os homens. As correlações entre sintomas nos últimos 7 dias e afastamentos foram sistematicamente menores para homens, em todas as regiões anatômicas, exceto para a região cervical.
O Teste t de comparação entre médias de freqüência de afastamentos de homens e mulheres não mostrou diferenças significativas, mas a comparação entre médias de severidade mostrou que mulheres relataram maior severidade de sintomas em região cervical, de ombros, dorsal, lombar e membros inferiores.
As demais variáveis demográficas/individuais não mostraram diferenças significativas quanto a distribuição de sintomas, exceto quando se comparou os grupos ocupacionais de gerentes e escriturários. Os últimos mostraram maior severidade de sintomas na região lombar do que os primeiros (1.57 e 0.72 respectivamente; p = 0.04).
Dentre as variáveis relativas a hábitos, as pessoas que praticavam exercícios físicos mostraram sistematicamente níveis de severidade de sintomas menores do que aquelas que não os realizavam. As diferenças foram significativas para as regiões dos ombros (0.83 e 1.48 respectivamente; p = 0.02), antebraço (0.41 e 0.97 respectivamente, p = 0.03) e mãos (0.37 e 1.00 respectivamente, p = 0.005).
Indivíduos que perceberam relação entre morbidade e atividade realizada, comparativamente aqueles que não perceberam tal relação, relataram mais sintomas em antebraços (1.01 e 0.30 respectivamente, p = 0.03), em cotovelos (0.61 e 0.07 respectivamente, p = 0.004) e na região de ombros (0.76 e 1.62 respectivamente, p = 0,04).

Discussão
A generalização dos resultados apresentados deve considerar as limitações inerentes aos estudos transversais e que utilizam instrumentos de auto- preenchimento, como o viés das medidas simultâneas e a possibilidade de interferência de fatores não controlados. O critério de escolha da amostra deste estudo pode ser também responsável por vieses decorrentes de auto-seleção. É possível, por exemplo, que sujeitos que apresentam sintomas se disponham mais prontamente a participar de um estudo deste tipo do que aqueles que não os apresentam.
Apesar destas limitações, os resultados indicaram que as diferenças quanto ao gênero, a função exercida na instituição e a prática de atividade física, correspondem a diferenças quanto à prevalência de sintomas de maneira semelhante à exibida em outros estudos. De fato, Bernard,3 em uma extensa revisão da evidência epidemiológica para os distúrbios osteomusculares, apontou a variável gênero como um dos fatores freqüentemente citados pelos estudos. Houtman, Bongers, Smulders e Kompier8 realizaram análises secundárias em dados de um survey na população trabalhadora holandesa (n = 5 865) e também observaram maior prevalência de morbidade osteomuscular entre mulheres e empregados semiqualificados. Resultados semelhantes foram apresentados por Johansson9 em um estudo em que morbidade osteomuscular foi avaliada pelo NMQ. Em uma amostra de 450 sujeitos, trabalhadores não especializados e mulheres relataram maior freqüência de sintomas do que homens e trabalhadores especializados.
O estudo sugeriu alterações em futuras aplicações da escala traduzida. Estas diziam respeito a: 1) a formatação do questionário para evitar a ocorrência de dados faltosos (13% dos casos): o original exige que o respondente registre 30 respostas ao questionário e muitos sujeitos optaram por somente registrar sua resposta quando ela era "sim" ; 2) o redesenho da figura humana: a região dos ombros se estende à região dorsal, confundindo-se com ela; 3) a inclusão de uma medida de severidade de sintomas e 4) a delimitação da origem da carga de risco (trabalho ou extra-trabalho).
Estas modificações foram realizadas na utilização do instrumento para medida de morbidade em uma amostra de 508 empregados da mesma instituição bancária, na qual os sujeitos não diferiram significativamente dos componentes da amostra anterior quanto às características demográficas. Apenas 3% dos casos apresentaram dados faltosos e tiveram que ser eliminados da análise.
A medida de severidade de sintomas incluiu uma escala de freqüência de 0 a 3 (0 = nunca tenho sintomas e 3 = sempre tenho sintomas), à qual os sujeitos deveriam se reportar para registrar a freqüência com que tinham sentido dor ou desconforto nos últimos doze meses, nas regiões anatômicas apresentadas na figura humana redesenhada. Uma análise fatorial da versão reduzida do questionário identificou duas dimensões subjacentes, que diziam respeito a sintomas em regiões anatômicas periféricas e sintomas em região anatômica central. Estas modificações permitiram o tratamento da variável como dicótoma ou contínua, de acordo com as necessidades das análises a serem realizadas.
A escala traduzida em sua versão reduzida mostrou-se, portanto, plenamente satisfatória aos objetivos deste estudo. Pesquisas posteriores poderão acessar a validade concorrente deste instrumento relativamente a outras medidas de morbidade osteomuscular.


Los autores no manifiestan conflictos.

BIBLIOGRAFÍA

  1. Ahlberg-Hulten G, Theorell T & Sigala F. Social support, job strain and musculoskeletal pain among female health care personnel. Scandinavian Journal of Work, Environment & Health, 1995, 21(6), 435-439.
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  3. Bernard BP (Ed). Work-related musculoskeletal disorders and psychosocial factors. NIOSH, National Institute for Occupational Safety and Health, 1997, Cincinati, OH.
  4. Bernard B, Sauter S, Fine L, Petersen M & Hales T. Job task and psychosocial risk factors for work-related musculoskeletal disorders among newspaper employees. Scandinavian Journal of Work, Environment and Health, 1994, 20(6), 417-426.
  5. Biblioteca da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Lesões por Esforços Repetitivos (LER) ou Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT). Atualização bibliográfica: 1994 – 1998. São Paulo, 1998. Extraído da Internet em 22.04.99: http://www.bib.cir.fsp.usp.br.
  6. Dickinson CE, Campion K, Foster AF, Newman SJ, O'Rourke MT & Thomas PG. Questionnaire development: an examination of the Nordic Musculoskeletal Questionnaire. Applied Ergonomics, 1992, 23(3) ,197-205.
  7. Hildebrandt V. Back pain in the working population: prevalence rates in Dutch trades and professions. Ergonomics, 1995, 38(6), 1283-1298.
  8. Houtman I, Bongers P, Smulders P & Kompier M. Psychosocial stressors at work and musculoskeletal problems. Scandinavian Journal of Work, Environment and Health, 1994, 20(2), 139-145.
  9. Johansson JA. Work related and non-work related musculoskeletal symptoms. Applied Ergonomics, 1994, 25(4), 248-251.
  10. Kuorinka I, Jonsson B, Kilbom A, Vinterberg H, Biering-Sorensen F, Andersson G & Jorgensen K. Standardised Nordic questionnaires for the analysis of musculoskeletal symptoms. Applied Ergonomics, 1987, 18(3), 233-237.
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  13. Sauter S, Schleifer LM & Knutson SJ. Work posture, workstation design & musculoskeletal discomfort in a VDT data entry task. Human Factors, 1991, 33(2), 151-167.
  14. Toomingas A, Theorell T, Michesen H & Nordemar R. Associations between self- rated and psychosocial work conditions and musculoskeletal symptoms and signs. Scandinavian Journal of Work, Environment and Health. 1997, 23(2), 130-139.
  15. Westgaard R & Aaras A. The effect of improved workplace design on the development of work-related musculo-skeletal illnesses. Applied Ergonomics, 1985, 16(2) 91-97.

 


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