Introdução O aumento do fígado é um achado clínico comum na infância, podendo ser decorrente de doença hepática intrínseca ou de alterações sistêmicas.1 A determinação do tamanho do fígado é, portanto, procedimento de rotina no exame clínico de crianças. O método clínico de biometria hepática, contudo, apresenta limitações, decorrentes de variações na forma, eixo e posição do fígado,2,3 de suas relações com estruturas vizinhas2,4 e da técnica empregada,5,6 sendo operador dependente.7 A hepatometria “in vivo” pode, ainda, ser realizada por métodos de diagnóstico por imagem, tais como: radiografia,9,10-14 cintilografia,3,15- 20 ultra-sonografia15,20-38 e tomografia computadorizada,39 que, por sua vez, procuram oferecer subsídios mais concretos, com melhor reprodutibilidade, com o objetivo, tanto de complementar a avaliação clínica, como de minimizar o fator operador-dependência deste procedimento. Dentre os métodos de imagem, a ultra-sonografia apresenta vantagens, sobretudo na avaliação do paciente pediátrico, por tratar-se de método totalmente não invasivo, não utilizar radiação ionizante e não exigir sedação, além de permitir o estudo minucioso do parênquima e estruturas hepáticas. Assim, a ultra-sonografia é, de modo geral, o primeiro exame de imagem solicitado para esclarecimento diagnóstico, quando há suspeita clínica de hepatomegalia e o exame de escolha no monitoramento de alterações do tamanho do fígado, que possam ocorrer na evolução natural de doenças ou em conseqüência a terapia. O método ultra-sonográfico, no entanto, tem como limitações o fator operador- dependência e as barreiras à progressão do feixe sonoro, representadas pelo ar e estruturas ósseas. As barreiras ao som assumem especial relevância no que se refere ao estudo do fígado, devido a sua localização, uma vez que, o acesso ao órgão pode ser prejudicado pela interposição dos arcos costais e porção variável de parênquima pulmonar que se insinua entre o fígado e a parede abdominal. A forma do fígado constitui outro fator de dificuldade para a padronização de medidas, pois, sendo bizarra, grosseiramente semelhante a uma cunha e com ampla superfície superior, arredondada, exige definição de pontos de referência precisos quando se pretende padronizar uma técnica com boa reprodutibilidade. No que se refere à hepatometria ultra-sonográfica em crianças, há multiplicidade de métodos propostos,21,24-26,28,33,35 o que, a nosso ver, revela a falta de um, que atenda às necessidades do examinador, isto é, um método preciso, reprodutível e de fácil execução. Com o intuito de determinarmos um método que atendesse a essas prerrogativas, realizamos estudo de mensuração do fígado de crianças, entre 0 e 6 anos de idade,40 em que avaliamos diversos parâmetros de hepatometria, quanto à reprodutibilidade inter-observador e quanto às dificuldades técnicas para sua obtenção. Nesse trabalho foi realizada, ainda, a análise de correlação dos diversos parâmetros entre si. Método Propomos método de biometria hepática baseado em dois planos seccionais longitudinais, estabelecidos pela inter-relação de reparos anatômicos intra- abdominais, intra e extra-hepáticos. Para a avaliação do tamanho do fígado são utilizados dois parâmetros: a) o diâmetro crânio-caudal do lobo hepático esquerdo, medido na linha médio esternal (LME), tendo como reparo anatômico intra-hepático a veia hepática esquerda e b) o diâmetro crânio-caudal posterior do lobo hepático direito, na linha hemi-clavicular (LHC), tendo como reparo anatômico intra-hepático o ramo portal direito (figuras 1, 2 e 3). Figura1. Representação esquemática dos planos de corte para a hepatometria em crianças, estabelecidos pelas linhas de orientação externas: A (linha médio-esternal, para a medida do lobo hepático esquerdo) e B (linha hemi-clavicular, para a medida do lobo hepático direito). Figura 2. Medida do diâmetro crânio-caudal do lobo hepático esquerdo na linha médio-esternal (LME), tendo como reparo anatômico intra-hepático a veia hepática esquerda (VHE). Ressalta-se que a veia cava inferior não deve ser incluída na imagem. LC: lobo caudado. Figura 3. Medida do diâmetro crânio-caudal posterior do lobo hepático direito, medido na linha hemi- clavicular (LHC), tendo com reparo anatômico intra-hepático a veia porta direita (VPD), em corte transversal. Reparos anatômicos intra-abdominais extra-hepáticos: rim direito (RD) e ampla visualização do diafragma. Comentários O método proposto foi composto pelos parâmetros que apresentaram menores dificuldades técnicas e altos índices de correlação positiva com os demais parâmetros estudados, de forma a poderem representá-los. Ressalta-se que o diâmetro antero-posterior do lobo hepático esquerdo não apresentou correlação com qualquer dos parâmetros analisados. O método se mostrou reprodutível por um mesmo observador e a introdução de reparos anatômicos intra-hepáticos resultou proveitosa, permitindo definição mais precisa dos planos de corte para aferição das medidas, minimizando o fator operador-dependência. Estudo da variabilidade inter-observador No período entre Agosto e Outubro de 2002 foi realizado estudo com o objetivo de testar a reprodutibilidade inter-observador do novo parâmetro introduzido (diâmetro crânio-caudal posterior na linha hemi-clavicular - CCPLHC) e do parâmetro classicamente utilizado para a medida do lobo hepático direito (diâmetro crânio-caudal anterior na linha hemi-clavicular - CCALHC). População de estudo e metodo Três examinadores independentes realizaram a biometria hepática em 31 crianças, com idades entre 0 e 6 anos, aplicando método ultra-sonográfico padronizado. Todas as crianças haviam sido encaminhadas para exame de ultra- sonografia abdominal no Setor de Diagnóstico por Imagem do ICR devido a suspeitas diagnósticas diversas. Foram excluídas da amostra crianças com doenças crônicas hepáticas ou das vias biliares. Os exames de ultra-sonografia foram realizados em Modo-B, com equipamento ATL modelo APOGEE 800 PLUS e Aloka modelo SS-2000, utilizando-se transdutor convexo de 5.0 MHz. A biometria hepática foi realizada separadamente por cada um dos examinadores (observador 1, 2 e 3), sem uma ordem pré-definida. Foram medidos os diâmetros CCPLHC e CCALHC. A variabilidade inter-observadores foi testada utilizando-se o coeficiente de correlação de Pearson e o modelo de regressão linear. Resultados Os valores das medidas dos diâmetros CCPLHC e CCALHC obtidos pelos observadores 1, 2 e 3 são apresentados na tabela 1. Os resultados do estudo de correlação mostraram que houve correlação positiva e significante entre os valores das medidas obtidas pelos três observadores para ambos os parâmetros analisados, ou seja, para um mesmo parâmetro, quanto maior o valor obtido por um observador, maior o valor obtido pelo outro. Aplicando-se o modelo de regressão observou-se que os observadores 1, 2 e 3 reproduziram os valores de CCPLHC, enquanto que não houve reprodução dos valores de CCALHC por qualquer dos observadores. Nos gráficos 1 a 6 são apresentados os coeficientes de correlação de Pearson (r), o nível de significância (p) e os modelos de regressão linear para os valores de CCPLHC (gráficos 1, 2 e 3) e CCALHC (gráficos 4, 5 e 6). Gráfico 1. Regressão para os valores de CCPLHC entre os observadores 1 e 2. r: coeficiente de correlação de Pearson. Modelo de regressão: obs1 = 5.65 + 0.91 (obs2). Gráfico 2. Regressão para os valores de CCPLHC entre os observadores 2 e 3. r: coeficiente de correlação de Pearson. Modelo de regressão: obs2 = 3.26 + 0.96 (obs3). Gráfico 3. Regressão para os valores de CCPLHC entre os observadores 1 e 3. r: coeficiente de correlação de Pearson. Modelo de regressão: obs1 = 3.45 + 0.93 (obs3). Gráfico 4. Regressão para os valores de CCALHC entre os observadores 1 e 2. r: coeficiente de correlação de Pearson. Modelo de regressão: obs1 = 17.52 + 0.68 (obs2). Gráfico 5. Regressão para os valores de CCALHC entre os observadores 2 e 3. r: coeficiente de correlação de Pearson. Modelo de regressão: obs2 = 17.82 + 0.64 (obs3). Gráfico 6. Regressão para os valores de CCALHC entre os observadores 1 e 3. r: coeficiente de correlação de Pearson. Modelo de regressão: obs1 = 17.27+ 0.63 (obs3). Discussão A maioria dos estudos de biometria hepática em crianças21,24- 26,33,34 propõe como parâmetro para avaliação do tamanho do lobo hepático direito a medida do comprimento da borda anterior do fígado na linha hemi-clavicular (“liver span”), que denominamos CCALHC. Esse parâmetro, no entanto, utiliza a interface hepato-diafragmática anterior como um dos reparos anatômicos. A falta de definição dessa interface, pela interposição de arcos costais e/ou parênquima pulmonar, pode comprometer a precisão da medida e resultar em discrepâncias ao se tentar reproduzi-la.15 Em estudo realizado anteriormente40 comprovamos a reprodutibilidade de CCALHC por um mesmo observador. No presente estudo, porém, os resultados não mostraram reprodutibilidade deste parâmetro por observadores diferentes. O novo parâmetro que introduzimos para avaliação do comprimento hepático na linha hemi-clavicular (CCPLHC), tem como referência a interface hepato- diafragmática posterior. Esta interface, pela ausência de interposição de parênquima pulmonar, mostra-se nítida, permitindo definição precisa dos limites do órgão. CCPLHC mostrou-se reprodutível, tanto em estudo de variabilidade intra- observador,40 como neste de variabilidade inter-observadores, devido à definição precisa de seus pontos de referência. Conclusão Pelo apresentado, concluímos que o novo parâmetro de hepatometria em crianças é reprodutível por observadores diferentes, indicando que pode ser utilizado na determinação das dimensões do fígado em crianças e apresenta vantagens em relação ao parâmetro majoritariamente utilizado em outros métodos. Presentemente estamos realizando estudo populacional para a determinação ultra- sonográfica dos valores normais do tamanho do fígado de crianças em idade pré- escolar na cidade de São Paulo (Brasil) aplicando o método testado. Los autores no manifiestan
"conflictos de interés"
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