BANNER5tran.gif (5141 bytes)

 

Foro de Debates, siicsalud

Aborto eugênico - considerações ético-legais
Genival Veloso de França
Lugar de trabajo: Professor Convidado dos Cursos de Graduação de Pós-Graduação do Instituto de Medicina Legal de Coimbra (Potugal).
Fecha de publicación: 6 Ene  1999; Hora: 14:46:02

Mesmo diante de insistentes apelos e de estatísticas consideradas alarmantes que apontam milhões de mulheres submetendo-se ou praticando em si próprias o aborto, sem nenhuma condição de higiene e segurança, nossa legislação penal só não pune essa prática, quando executada pelo médico, em apenas duas circunstancias: I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu responsável legal.

No primeiro caso, conhecido por aborto terapêutico, estaria justificado como forma desesperada de salvar-se a vida de uma mãe, cujo valor, nessas circunstâncias, seria mais relevante. Ainda assim, afirmamos que o ato só será licito se a gestante apresenta perigo vital, se esse perigo estiver sob dependência da gravidez, se a interrupção da prenhez fizer cessar aquele perigo e se esse for o único procedimento capaz de salvar-lhe a vida. No segundo caso, conhecido como aborto sentimental, moral ou piedoso, estará justificada a não punibilidade por não se admitir que uma mulher chegasse à maternidade pela violência e pela coação, trazendo no seu ventre um filho indesejado e marcado para sempre pelo ultraje recebido.

É claro que o tema aborto sempre significa uma oportunidade para uma ampla e necessária discussão com a sociedade, dado o caráter complexo e delicado da questão. Isso não quer dizer, todavia, o desrespeito à legislação vigente, a subversão da ordem constituída e a pregação à desobediência civil. Mas uma oportunidade de trazer ao debate, dentro das políticas sociais de demografia e planejamento familiar, as questões que o aborto traz como repercussão no conjunto dos problemas de ordem pública e de saúde coletiva, elevando, desse modo, o nível de informação da sociedade. Certamente, o aborto eugénico é o que mais comove e ganha espaço nessas discussões.

Em sentenças mais recentes, diversos juizes vêm autorizando a pratica do aborto em casos de fetos anencefálicos. Numa dessas sentenças, há o registro de que "não se está admitindo por indicação eugênica com o propósito de melhorar a raça, ou evitar que o ser em gestação venha nascer cego, aleijado ou mentalmente débil. Busca-se evitar o nascimento de um feto cientificamente sem vida, inteiramente desprovido de cérebro e incapaz de existir por si só". Ainda que não sendo suficientes para criarem uma jurisprudência, essas sentenças certamente vão influir quando outros magistrados se pronunciarem em casos semelhantes.

A verdade é que há muito, em outros climas, vem se ampliando mais e mais as indicações do aborto para evitar o nascimento de crianças defeituosas, baseadas no papel que a nova medicina deve desempenhar na sociedade, face os meios mais avançados da ciência e da tecnologia, e como forma de valorizar o individuo e democratizar as disponibilidades médicas. No entanto, é preciso saber se esses fantásticos meios da biotecnologia hodierna devem se colocar sempre em favor da vida e do bem-estar do ser humano, no seu direito mais inquestionável – o de nascer e existir, como está solenemente consagrado em todos os documentos onde a inspiração maior é o respeito à dignidade humana, como legítima conquista dos homens e das mulheres do mundo inteiro.

Por outro lado, as técnicas de diagnósticos pré-natais, tão sofisticadas e onerosas hoje em dia, pelo menos deviam estar em favor da vida do novo ser, e não contra ela. Se o diagnóstico pré-natal tiver como única proposta a possibilidade da prática abortiva, como quem faz um exame de qualidade, é um atentado aos princípios da moralidade, um desrespeito aos valores da pessoa humana e uma coisa pobre e mesquinha.

0 argumento que pretende justificar o direito de abortar quando uma mulher apresenta ou supõe apresentar uma má-formação de um filho que vai nascer, é o mesmo que poderia garantir a outra gestante que não pôde ou não teve oportunidade de realizar exames pré-natais, o direito de ser contemplada mais adiante com uma legislação que permitisse praticar impunemente o infanticídio ou a eutanásia neo-natal.

0 fato de ser o aborto uma prática difundida, mesmo ao arrepio da lei, não justifica, pura e simplesmente, sua legalização, pois as leis têm sempre, além de sua ação punitiva, o caráter educativo e purificador. Seria um risco muito grande excluir da proteção legal o direito à vida de seres humanos frágeis e indefesos, o que contraria os princípios aplaudidos e consagrados nos direitos humanos. A vida é um bem tão intangível que é supérfluo dizer que está protegida pela Constituição Federal, pois como bem mais fundamental ela transcende e excede todos os seus dispositivos. É a partir da vida que emergem todas as necessidades de legislar. E quando excepcionalmente se admite, em caráter mais que desesperado, é sempre em defesa irrefutável da própria vida, como na legitima defesa, no estado de necessidade e no estrito cumprimento do dever legal.

Qualquer forma de violência contra um ser humano, é uma violência contra todos os outros homens; contra o homem comum - o Cristo da sociedade atual. Qualquer forma de violência contra um ser incapaz e desprotegido não é própria da consciência médica nem compatível com o destino da medicina, pois seria uma quebra da tradição que a cristalizou como um projeto em favor do homem e da humanidade, sem discriminação ou preconceito de qualquer espécie. Se alguém tem pensamento contrário e admite que vai contribuir com o bem-estar da sociedade, agindo opostamente, está enganado. Vai, no mínimo, incutir o egoísmo, saciar a insensibilidade e promover a discriminação. Não é pelo fato da existência de uma má-formação fetal que o aborto deixaria de constituir uma ofensa à vida e à dignidade humana. De qualquer forma que tenha nascido o ser humano, é homem, é sujeito de direito, tem lugar garantido como personalidade jurídica.

Ninguém jamais pode negar o desejo de que todas as crianças nasçam saudáveis e perfeitas. Ninguém pode também menosprezar a aflição e as dificuldades dos pais de crianças malformadas. No entanto, isso por mais pungente que seja não autoriza ninguém, muito menos os que não vivem esse sofrimento, a retirar desses seres o direito à vida. O ser humano não pode ser julgado, na avaliação de sua existência, pela "plenitude de vida e independência sócio-econômica", nem muito menos pelo fulgor de uma inteligência privilegiada ou pela formosura de seus traços físicos, porque ele não foi proposto para torneios e disputas, mas para realizar o destino da criatura humana. E, como tal, não pode ser avaliado por quem quer seja, pois isso não é o resultado de uma simples convenção, senão um imperativo da própria natureza humana.

Qualquer que seja o estágio da ciência, qualquer que seja o avanço da biotecnocracia que tudo quer saber e tudo explicar, não existe argumento capaz de justificar a disposição incondicional sobre a vida de um ser humano, propondo sua destruição baseada em justificativas que se sustentem na "relação custo-beneficio", pois essa vida é intangível e inalienável. Só assim estaremos ajudando a salvar o mundo. Apesar de todos os horrores, este é o mundo dos homens. Essa é também a forma dele reencontrar o caminho de volta a si mesmo, em espírito e em liberdade.

anterior.gif (1015 bytes) Volver